colecções disponíveis:
1. Lendas de Sintra 2. Sintra Magia e Misticismo 3. História de Sintra 4. O Mistério da Boca do Inferno 5. Escritores e Sintra
6. Sintra nas Memórias de Charles Merveilleux, Séc. XVIII 7. Contos de Sintra 8. Maçonaria em Sintra 9. Palácio da Pena 10. Subterrâneos de Sintra 11. Sintra, Imagem em Movimento


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Convento dos Capuchos em Sintra, e os seus Capuchinhos - As Memórias de Charles Fréderic de Merveilleux - Parte VIII


© Pesquisa: O Caminheiro de Sintra
Vídeo: O Caminheiro de Sintra
Imagem: autor Flickr Meanest Indian




"Percorrendo os arredores de Sintra com um criado que ia a cavalo, como eu, perdi-me num bosque e, sem ter por onde me orientar, fui seguindo ao acaso. Demos então com uma rocha no cimo da qual havia uma cruz. Havia ali uma gruta de cerca de cinco pés. Apeei-me e a curiosidade levou-me a entrar nela, onde se me deparou um altar, adornado muito simplesmente. À esquerda vi uma portinha, com uma cruz pendente como as portas dos conventos dos capuchos. Puxei a cruz e ouvi o som de uma campainha que me pareceu estar muito afastada. Pouco depois apareceu um irmão com o hábito de S. Francisco a perguntar o que desejava. Pedi-lhe permissão para visitar a santa morada. Quis saber se eu estava só; respondi que o meu criado me esperava fora com os nossos cavalos. Então fechou a porta e saiu a certificar-se do que eu informara. À volta, mandou-me segui-lo, vendo-me obrigado a andar vergado por baixo dos interstícios das rochas, onde pequenas celas, escavadas nas rochas, são as habitações desses frades. As celas têm, quando muito, dez pés de largura por seus de comprimento e recebem luz pelos buracos abertos na rocha. À esquerda vê-se um banco de pedra e à direita um nicho onde cabe um catre. As celas são em número de doze, todas forradas de cortiça, em muito boas condições contra a humidade.

Depois de ter examinado algumas dessas celas segui até ao fim do corredor onde encontrei um pequeno refeitório, também aberto na rocha; a seguir uma capela e no exterior uma pequena alameda de cinco pés de comprimento. Ofereceram-me água, que aceitei, e um bocado de pão. Esses frades disseram-me que jejuavam permanentemente, o que não acreditei por ter encontrado ossos na alameda e ao redor da ermida. Saí ao fim da alameda e os meus olhos foram surpreendidos pelo mais belo panorama deste mundo. Dali se avista toda a planície como do alto do castelo de Sintra. Esse ermo está ornado com várias estradinhas e terraços em socalcos, o terreno cultivado cuidadosamente com formosos pomares e jardins, regados de água abundante. Muito embora em toda a minha vida tenha visto coisas belas, nada ainda me pareceu mais belo que esse sítio encantado onde se não pode chegar senão através da gruta de que falei. Desejaria passar o resto dos meus dias nesse lugar, tão aprazível o encontrei. Tendo ensinado as virtudes de algumas plantas a esses religiosos, supuseram que eu era o estrangeiro que havia estado em Sintra, a mandado do rei.

Desenganei-os e então contaram-me mil coisas extravagantes desse cavalheiro, manifestando até onde vai a repulsa dos portugueses pelos estrangeiros. Pedi aos frades que me fossem visitar a Sintra. Quatro deles o fizeram, tendo-os eu obsequiado o melhor que pude e ofereci-lhes um barril de bom vinho e um fardo de bacalhau seco que havia comprado. Desde então o famoso retiro passou a ser como casa que fosse minha.


Depois disto fiquei a considerar estes eremitas como boas pessoas; não obstante, a maior parte destes frades pareceu-me estar muito longe da sociabilidade, da moderação e do desinteresse do pastor selvagem.
O secretário de Estado, que era grande caçador, disse-me em Lisboa que esses eremitas eram seus amigos, o que me dispôs a fazer-lhes mais presentes.

Aconselho aos que lerem estas Memórias depois da minha morte, a não deixarem de visitar este convento, se forem a Portugal. Talvez venham a concluir como eu que os antigos anacoretas, de que tanto se tem falado, podiam afinal estar na Tebaida muito bem instalados, pois ali sempre existem retiros saudáveis e amenos, com água necessária às necessidades da vida. Sem dúvida a comodidade de uma boa nascente motivou que algum eremita português tivesse embelezado aquele ermo."


© O Caminheiro de Sintra


As outras partes de Sintra nas Memórias de Charles Merveilleux, relato do século XVIII:

I. Castelo de Sintra, Subterrâneos de Sintra, Descrição Física, e a Chegada - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte I
II. Subterrâneos de Sintra e os Seus Tesouros - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte II
III. Cisterna do Castelo dos Mouros e Sua Descoberta, ou a Segunda Parte dos Tesouros de Sintra - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte III
IV. O Magnetismo de Sintra - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte IV
V. As Visões de Sintra - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte V
VI. A Senhora Pedagache - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte VI
VII. O Curandeiro de Sintra - As Memórias de Charles Fréderic Merveilleux - Parte VII


Créditos da fotografia: Autor Flickr Meanest Indian