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domingo, 31 de outubro de 2010

Templários em Portugal - Mestre e Grão-Mestre - Primeira Adenda da Errata à Tradução da Doação de D. Afonso Henriques a Gualdim Pais



© Pesquisa e texto: O Caminheiro de Sintra
Vídeo: O Caminheiro de Sintra




 Depois da tradução da carta de doação de D. Afonso Henriques a Gualdim Pais alusiva a Sintra, e colocada no Secreto Palácio de Sintra, e pela fortuna de alguns leitores terem apontado alguns possíveis erros, vi-me na necessidade de realizar duas adendas para compor um errata, sendo esta uma delas.

 Para que tal fosse possível, é necessário deixar um especial agradecimento ao companheiro de caminho Degraconis, pela forma privada como abordou também ele os meus erros, fazendo uso de delicadeza e tacto, bem como pelo facto de ter informado que a tradução não foi realmente a primeira a ser realizada - a primeira tendo sido de Frei Bernardo da Costa (“Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo”) e contendo um importante erro de tradução abordado na segunda adenda desta errata - e ter sugerido algumas obras, entre as quais aquelas em que estas duas adendas se baseiam, no que à história dos Templários toca.

 Inicialmente, gostaria de dizer que a data indicada na tradução (Era Hispânica ano de 1199, correspondendo a 1161 d.C.) não corresponde à realidade histórica. Isso porque em 1161 d.C. a Rainha Mafalda - que também assina o documento em questão - já não era viva, tendo falecido em Dezembro de 1158 d.C. Esta data referem-na a título de exemplo, Frei Bernardo da Costa (obra já citada), e o Visconde da Juromenha no “Cintra Pinturesca”. Viterbo refere que não seria de 1199, mas sim de 1180 (em sua consulta ao documento, no cartório de Tomar, tomando-o como original). Acontece que Gonçalo de Sousa, o dapifer responsável pela elaboração do documento, só ocupou o cargo a partir de Abril de 1157 d.C., o que tendo sido na era de 1180, seria equivalente a 1152 d.C. - logo, impossível. Infere-se assim, que a data real do documento deverá situar-se entre 1157 d.C. e 1158 d.C. - o que se supõe que está na origem destes erros que acabam por acontecer frequentemente em documentos com muitos séculos, é que devido à degradação dos mesmos, quando eram transcritos não eram feitos os cálculos correctos tendo em conta a data em que estavam, a data dos documentos, e a Era Hispânica.

“…tem a ver com a questão de que sendo Gualdim Pais à altura Grão-Mestre da Ordem dos Templários em Portugal, as ditas casas…”

  Esta foi a passagem que por ser uso corrente de muitos - em especial daqueles que não convivem diariamente com o tema dos Templários - é frequentemente utilizado “Grão-Mestre” para referir o grau máximo da Ordem do Templo à altura da sua presença activa no reino de Portugal (séc. XII a XIV).

  Para além da própria denominação em si, baseando-me no “Elucidario das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antigamente se usaram” de Joaquim de Santa Rosa de Viterbo - obra do século XVIII - realizei uma pesquisa que julguei ir ao encontro de tornar o documento que esta adenda originou, ainda um pouco mais claro, como se verá mais à frente.


  Esta pesquisa extraiu da mencionada obra, um conjunto de nomes que nessa tivessem provas documentais transcritas, conjunto esse que poderá não estar de acordo com as listas existentes hoje em dia relativas aos responsáveis máximas por e dentro da Ordem do Templo, quando se encontravam activas no reino de Portugal. Quanto a isto, talvez seja bom acrescentar para o público em geral que em detalhes ou algo mais que detalhes, por se tornarem plural, quer dizer que essas listas não são concordantes entre si, na sua totalidade.

  Ainda sobre isso, importa referir que aparecem por duas vezes excertos que não se referem directamente ao responsável máximo dos Templários em Portugal do século XII ao século XIV, mas circunscrevem situações que ajudam de sobremaneira a compreender o panorama geral dos termos utilizados para o topo da hierarquia no reino de Portugal.

  O primeiro nome a aparecer então, é o de D. Guilherme Ricardo, através da doação da Vila de Font’arcada por parte da Rainha D. Teresa. Neste documento de 1128 pode ler-se "Guilhermus P. Templi in istis partibus recepi Cartam" [CdS: “Templário Guilherme Ricardo na casa mãe(corte) recebe a carta”]. Presume-se que por aparecer o nome da Ordem do Templo, não era necessário criar nenhuma distinção ou utilização de algum grau, pois o receptor seria o responsável pelos Templários em Portugal. Existe ainda mais um documento de doação, do tempo de D. Guilherme Ricardo que baseado nas obras desta pesquisa não contém data mas presumo que tenha por esse sido assinado presencialmente, e que Afonso Anes dá “Deo, et Fratribus Militae Tampli” [CdS: “a Deus e aos Militares Irmãos do Templo”].

 Em Agosto de 1145 o Arcebispo de Braga, D. João Olvilheiro e com a aprovação de D. Afonso Henriques um hospital em Braga, utilizando "…Domno Suerio, Militiae Templi Domini Ministro, nec non et vestris Fratribus ejusdem Professionis Militibus…" [CdS: “…D. Soeiro, Ministro da militância do Templo do Senhor, e seus Irmãos os mesmos que Militares Professantes…”]. Assim se poderá perceber que mais um cargo com a denominação de “ministro”, aparecia como receptador de bens.

  Depois da conquista de Santarém, em Abril de 1147 D. Afonso Henriques cumpre um voto que havia feito de dar o património eclesiástico - daquela à altura - vila aos Templários, cujo fim do documento demonstra o responsável máximo pelos Templários em Portugal naquele momento: "Ugo Martoniensis, Frater Templi tunc temporis in his partibus Kartutam recepit" [CdS: “Hugo Martoniensis, Irmão do Templo ao tempo que recebe esta carta”].

  Em Agosto de 1155 foi vendida uma herdade em Santa Maria da Feira à Ordem do Templo, e em cujo documento se pode ler: “…quam ego Egeas Suariz facio vobis Magister Domino Ugo, et Fratres vestros de illo Templo, per bona pacis, et voluntas…” [CdS: “…que eu Egas Soeiro faço vosso Mestre Governante Hugo, e aos seus Irmão do Templo, pela minha pacífica vontade…].

  Em Fevereiro de 1159, D. Afonso Henriques doa o Castelo da Cêra aos Templários: “Do, et concedo Deo, et Militibus Templi illud Castrum, quod dicitur Cera…” [CdS: “Eu dou e lego a Deus e aos Militares do Templo o referido Castelo, o qual se denomina de Cêra…”]. No fim do documento, um dos sêlos tem a inscrição: “Magister Gualdinus”, que recebia assim em nome dos Templários em Portugal.

  Em 1190, no documento de compra de uma casa em Tomar por parte dos Templários pode ler-se o seguinte: "…vobis Domno Magistro Galdino, et D. Lupo, Praeceptori de Tomar, et omnibus Fratribus Templi..." [CdS: “…a si, Cavaleiro Mestre Gualdim, e a D. Lopo, Preceptor de Tomar, e a todos os Irmãos do Templo…” - nota: o correcto seria “Senhor Mestre Gualdim”, mas devido à estreita relação entre os termos “Senhor” e “Deus”, optou-se pela utilização do termo “Cavaleiro”]. Assim podemos ver o aparecer de mais uma denominação em documentos, para receptadores de bens - através de documentos, como é óbvio - nos Templários em Portugal, que é o de “preceptor”, e em que neste caso, era D. Lopo Fernandes.

  Em 1208, num foral dado a povoadores do Carvalhal da Cêra, D. João Domingues auto-denomina-se de "Commendator Templi totius Portugalis" [CdS: “Comendador do Templo em todo o Portugal”]. Infere-se deste modo, que pela primeira vez nos documentos, aparecia o termo “comendador” em vez do termo “mestre”, que antes sempre tinha sido utilizado para referir o responsável máximo dos Templários em Portugal.

  Em 1229, com D. Estêvão de Belmonte, mais um termo para o máximo responsável dos Templários em Portugal aparece, mas desta feita não sendo o termo em si pela primeira vez utilizado. "Ego Frater Stephanus de Bel-monte, istis tribus Regnis, Portugaliae, Legionis, atque Castellae, Preceptor, cum nostris Fratribus..." [CdS: Eu, Frei Estêvão de Belmonte, nos três Reinos, Portugal, Leão, e Castela, Preceptor, com os nossos Irmãos…”]. Aqui, em termos documentais, o “preceptor” é assumido então como a denominação para o responsável máximo dos Templários em Portugal.

  Em 1239, através de uma doação feita à Ordem do Templo, o documento refere "Dono, et offero Deo, et vobis Guilhermo Fulconis, Praeceptori Domorum Militiae Templi in tribus Regnis Hispaniae..." [CdS: “Dou e lego a Deus, e a si Guilherme Fulcom, Preceptor das Casas da Milícia do Templo nos três Reinos da Hispânia…”]. Tal como no último parágrado, em que D. Estêvão de Belmonte era denominado de “preceptor”, também aqui D. Guilherme Fulcom o é.

  Em 1242, D. Martim Martins é referido como “mestre”, como se poder ler num documento de doação à Ordem do Templo: "Qum ista Carta fuit facta, erat Magister per gratia Dei in tres regnos de Hispania D. Martim Martins de Ordine de pauper Cavallaria de Templo de Salomom" [CdS: Quando esta Carta foi feita, era Mestre pela graça de Deus nos três reinos da Hispânia D. Martim Martins da Ordem da pobre Cavalaria do Templo de Salomão” - nota: aqui já se encontram vestígios de português misturado com latim, próprios da época].

  Em 1247, através de um documento de doação, D. Pedro Gomes é referido como “mestre”: "Nos frater P. Gomecii, Militis Templi in tribus Regnis Hispaniae Magister …” [CdS: Nosso irmão P. Gomes, Soldado do Templo nos três Reinos da Hispânia Mestre…]

 Em 1289, D. Afonso Gomes, num documento sobre os direitos bispais da Igreja de Arens [nota: presumidamente, “Ares” na Vila de Nisa; na dúvida optei por deixar o original “Arens”] D. Domingos Jardo, Bispo Évora refere, utilizando a língua portuguesa: "D. Affonso Gomes, Meestre do que a Ordem do Templo ha en Portugal, e os Freires dessa mesma Ordem...".

  Através destas referências extraídas da obra do século XVIII de Viterbo, e somente se tendo tornado referência por ter algum tipo de prova concreta tal como excertos de transcrições de documentos, se pode perceber que o termo “Grão-Mestre”, tanto quanto nos é possível perceber através dos factos, nunca foi utilizado para referir o responsável máximo pela Ordem dos Templários em Portugal. Ao invés, foram utilizados os termos “Mestre”, “Comendador”, e “Preceptor”, embora que este último, tenha sido também utilizado por outros receptadores de bens legados, que não o responsável máximo pelos Templários em Portugal.

  Pelos termos utilizados nos documentos, em especial nos elaborados a mando de D. Afonso Henriques, em que poderiamos concluir que a carta de doação de D. Afonso Henriques a D. Gualdim Pais, alusiva a Sintra, era não para a Ordem do Templo, mas para o próprio, ainda para mais porque a expressão utilizada para enderaçamento da carta é “facimus tibi Magistro gualdino”, que é precisamente “fazemos-te a ti Mestre Gualdim” [“esta carta de doação irrevogável…”], o que - e mais uma vez - quando comparado com os restantes documentos da época de D. Afonso Henriques, e porque não, comparando também com os restantes, é algo que revela alguma intimidade, e denota uma imensa aproximação.

  Ainda assim, e apesar destes factos que trazem uma nova luz sobre o real destinatário, é de crer que sendo um irmão da Ordem do Templo, na qual todos estariam despojados de seus bens, as casas e herdades passassem para os Templários, como aliás dá D. Afonso Henriques, toda a liberdade para que D. Gualdim Pais tivesse “o poder de vender, doar ou testamentar (e mesmo durante a tua vida) a quem quiseres e a quem te agradar”.

  Deste modo, a primeira parte da errata fica concluída com esta primeira adenda, tendo servido para para além de corrigir o lapso ocorrido, ter preenchido ainda mais a carta de doação traduzida, com uma nova perspectiva sobre a sua interpretação.


© O Caminheiro de Sintra




vídeo promocional do Castelo de Almourol, onde no minuto 1:42 na legenda aparece o exemplo do que é comum acontecer em Portugal: "Gualdim Pais, Grand Master of the Templar's order"

Link para a segunda adenda da errata
Link para a tradução da doação de D. Afonso Henriques a Gualdim Pais