colecções disponíveis:
1. Lendas de Sintra 2. Sintra Magia e Misticismo 3. História de Sintra 4. O Mistério da Boca do Inferno 5. Escritores e Sintra
6. Sintra nas Memórias de Charles Merveilleux, Séc. XVIII 7. Contos de Sintra 8. Maçonaria em Sintra 9. Palácio da Pena 10. Subterrâneos de Sintra 11. Sintra, Imagem em Movimento


quinta-feira, 20 de maio de 2010

Lenda de Seteais IV


© Pesquisa e texto: O Caminheiro de Sintra
Fonte: Biblioteca Municipal de Sintra
Imagem: autor Flickr Vito


O Arco Triunfal de Seteais
e a entrada para o actual hotel
 Mais uma versão da Lenda de Seteais que em muito pouco difere das anteriores publicadas no Secreto Palácio de Sintra, que não pelo detalhe e pelos diálogos:


"No tempo de D. Afonso Henriques, o Castelo de Sintra foi conquistado com a ajuda de uma esquadra estrangeira. Os moradores da região começaram logo a fugir dali para que não fossem alvo de vingança. D. Mendo de Paiva era um dos cavaleiros mais chegados ao rei que fora designado para ocupar o castelo.
Este fora o primeiro a subir à serra de Xentra, onde reparou na azáfama que os moradores estavam. Os mouros mais destacados utilizavam uma saída secreta, que D. Mendo descobriu quando uma jovem por ali fugia. A jovem com o susto gritou. Zuleima, a sua velha aia, ficou ainda mais aflita e perguntou-Ihe:

- Anasir! Porque gritaste?
Ela respondeu, mal refeita do susto:
- Não pude conter o meu ai!
D. Mendo sorriu e perguntou-lhe, cavalheiresco:
- Senhora, causo-vos assim tanto medo?
- Sois cristão, e não estava preparada para encontrar-vos. - Tapou a face com o véu.
Ele barrou-lhe a passagem e sorrindo perguntou:
- Porque escondeis tão grande beleza sob esses véus?
- Porque não deveis conhecer o meu rosto.
- Mas se o destino quis que vos visse! Todavia...talvez tivesse sido melhor não vos ter encontrado!
A Velha aia perguntou:
- Porquê senhor? Não ides permitir que partamos? Temos licença de sair em liberdade. O que pretendeis são os nossos bens e as nossas terras. Não é assim? Pois aí fica tudo! Posso partir?
D. Mendo suspirou fundo, e quase maliciosamente retorquiu:
- Sim, podes partir. Deixa-me tudo...sem esquecer a tua querida ama!
Aflita Anasir soltou novo ai, embora desta vez mais abafado. Zuleima pegou-lhe nas mãos, presa de novo pavor.
- Anasir, querida ama! Já é o segundo ai num tão curto espaço de tempo! Evitai essa exclamação, peço-vos!
D. Mendo olhou para a aia com surpresa. Não menos surpreendida, a jovem moura repreendeu a sua companheira:
- Não te compreendo Zuleima! No momento em que o inimigo te propõe deixares-me abandonada, só te preocupas com a minha pobre exclamação de repulsa e de tristeza?
- Querida Anasir! Vós não podeis entender-me porque ignorais a razão que me atormenta. Mas confiai em mim. Sabeis que vos amo e que por vós daria a vida. Não solteis mais nenhum ai! Quanto ao cristão vai agora ouvir-me.
- Pois falai, velha Zuleima! É este o teu nome, não é verdade?
- É. Bem o entendeste, da boca da minha ama.
- Fala, então!
- Pois bem! Ouvide. Vou sair deste castelo, mas levando comigo a jovem princesa, que me foi confiada pela mãe, à hora da morte. Estava também a cargo do governador deste castelo; mas o medo falou nele mais alto que o dever. E partiu com a sua família pela passagem secreta. Agora, Anasir só tem o carinho desta humilde serva!
- É tudo quanto tens a dizer-me?
- Assim o creio, pois vamos sair e espero não tornar a encontrar-vos.
- Pois vou fazer segunda proposta. Ficarás acompanhando a tua querida menina. Mas apressa-te e segue-me. Não quero que te vejam!
Anasir interrompe-o:
- Senhor! Tratais-nos como despojos da guerra! Não fazemos parte das alfaias que ficam neste castelo!
D. Mendo olhou fundo para os olhos da jovem moura e adoçou a voz.
- Anasir! Seria difícil explicar-vos agora porque não consentirei em deixar-vos. Mas tentarei quando me for possível para vos fazer feliz.
- Agora tornai-vos misterioso?...
- Vereis que não existem mistérios. Há apenas a necessidade de partir, e já! Zuleima atalhou:
- Oiço barulho! Parece um exército!
- São os meus homens que chegam. Não há tempo a perder! Se vos vêem...
Passos apressados soaram perto. Anasir assustou-se e gritou. Mas já D. Mendo lhe tapava a boca com a mão:
- Senhora! É preciso que vos leve daqui sem que vos vejam!
Porém, mais pálida ainda, Zuleima apontava a jovem ama quase sem poder falar.
Anasir indagou:
- Que estais vendo?
- Não vejo :ouvi! Ouvi o vosso terceiro ai num espaço tão curto!
- E que isso tem?
Como se estivesse a ver um fantasma, a velha aia esclareceu:
- É o destino a marcar-nos com o fogo da sua destruição! E porquê? Porquê?
Alteava já a voz, indiferente ao que pudesse surgir depois. Apontou o cavaleiro D. Mendo:
- Fostes vós cristão, que nos trouxeste a desgraça! Fostes vós! Anasir ao vê-la tão assustada, tentou acalmá-la:
- Zuleima, que se passa?
- Prometei-me! - respondeu Zuleima num tom de amargura - Prometei-me Anasir, que não soltareis mais nenhum ai! Fazei essa graça à vossa humilde serva!
Anasir e D. Mendo olhavam-na perplexos. Por fim, Anasir respondeu:
- Se isso te dá alívio, prometo-te Zuleima que farei o possível para não pronunciar mais nenhum ai. É isso que pretendes?
- Sim, minha querida ama!
Soaram vozes muito perto dos cristãos que chegavam. D. Mendo tomou Anasir pelo braço e segredou-lhe:
- Vinde comigo! Quero isolar-vos dos que estão a chegar. Tenho aqui perto um grande terreiro e uma pequena casa. A paisagem é maravilhosa. Sabeis montar?
- Sei. Dai-nos só um cavalo. Isso nos bastará. Eu levarei Zuleima.
- Perdoai-me, mas a experiência tornou-me desconfiado. Vós ireis no meu cavalo e Zuleima montará o outro.
- Ela monta mal, senhor!
- A distância é curta. Além disso, não tendes por onde escolher.
- E se eu recusar?
O olhar de Anasir era um desafio. D. Mendo cobrou a energia e declarou:
- Se recusardes.. .levar-vos-ei à força e separar-vos-ei de Zuleima! Resoluto pegou-lhe com certa violência pelo pulso. Ela gritou:
- Ai!
Zuleima, agarrou-lhe os vestidos. Nasceram lágrimas nos seus olhos.
- Senhora, senhora!...Havíeis prometido!...E afinal!...
 Anasir respirou fundo. Parecia confusa.
- Tens razão! Mas não compreendo...
As vozes dos cristãos soaram ainda mais perto e D. Mendo impôs-se:
- Partamos!
E em breves instantes montaram nos cavalos e dirigiram-se para a casinha do terreiro...


Começava o Sol descer, quando D. Mendo acabou de instalar na casa a princesa e a velha aia. Anasir olhou em volta e sentou-se comodamente. Sorriu. Zuleima instigava o brilho do olhar da ama e declarou:
- Não vos entendo.
- De que te admiras?
- Senhora, somos mouras... - elucidou Zuleima - Vós sois princesa. Perdemos uma
guerra. E vós mais do que isso: perdestes Aben-Abed!
Ela Voltou a sorrir.
- Sim, Zuleima, perdemos uma guerra. Agora é necessário encontrar a paz. Quanto a Aben-Abed...creio que não o perdi: foi ele que me perdeu...
- Que dizeis?
Anasir escutava-a em silêncio. E perguntou:
- Senhor!... Já alguma vez amastes?
- Até hoje, não!
- Pois bem: se de hoje em diante amásseis, serieis capaz de deixar ao abandono a escolhida do vosso coração, só porque o inimigo estava perto e era necessário fugir?
D. Mendo aproximou-se e pegou numa das mãos da princesa e levou-a aos lábios e disse:
- Senhora, a resposta trouxeste-a convosco Não parti sem vos trazer, Anasir!
Ela baixou os olhos e destapou o seu lindo rosto.
- D. Mendo...Gosto desta casinha! Creio que ficarei aqui até o desejardes.
Ele apertou entre as suas mãos possantes as mãos delicadas da jovem e afirmou, com toda a força do seu coração:
- Querida Anasir! Prometo que sereis feliz!


Anasir e Zuleima viviam semicativas na casinha do terreiro, onde D. Mendo as escondera de mouros e cristãos. Amava Anasir e não queria perdê-la, desejava a sua permanente companhia. Contudo temia as censuras do rei. Saía às escondidas, de vez em quando, mas voltava assim que podia.
Certa tarde, porém, D. Mendo regressou pouco depois de ter saído. Ao vê-la Zuleima indagou curiosa:
- Já de volta?
D. Mendo parecia preocupado.
- Ouve Zuleima! Descobri que andam a rondar estes sítios. É preciso que a tua ama não saia de casa!
Ela assustou-se.
- A rondar, dizeis? Mas quem? Algum cristão vosso amigo?
Enervado, D. Mendo declarou:
São mouros! Mouros meus inimigos! Falaste num tal Aben-Abed. Será ele...ou alguém por ordem dele?
- Aben-Abed?...Sim, talvez seja ele...ou alguém por ordem dele...Anasir atraiçoou-o.. .Que Alá nos proteja!
- Esse tal Aben foi um cobarde! Fugiu deixando-a entregue ao seu destino! Perdeu o direito ao seu amor. O seu destino, agora - sou eu!
A velha aia estava atarantada e pálida.
- Bem sei.. .mas ele.. .virá matá-la.. .E eu não quero.. .não quero!...
- Nem eu! Escuta. Se eles conseguirem levar Anasir, juro-te que arrasarei tudo, compreendes? Não escapará nem um só mouro dos que andam por aí em liberdade!
- Descansai, cavaleiro! Ninguém nos levará daqui! A minha querida ama também vos ama. Se assim não fosse, já se teria suicidado, acreditai!
- Onde está ela, Zuleima?
- Foi descansar. Mas vou chamá-la.
- Não. Eu esperarei. Entretanto, esclarece-me um ponto que continua para mim envolto em mistério.
- Que é, senhor?
- Porque te afligis-te tanto quando Anasir pronunciou um ai? Se ela gritar outra exclamação qualquer tu não te alteras...
Zuleima ficou a olhar para o vago por momentos. Depois olhou para o rosto de D. Mendo e falou:
- Senhor! A vós posso contar o que há muito me foi dito. Quando a minha ama nasceu, uma feiticeira disse que Anasir morreria ao pronunciar o sétimo ai.
- E ela nunca pronunciara essa exclamação em pequena?
- Nunca?
- Nem mesmo depois de crescida?
- Nunca senhor! Compreendeis agora o meu desespero por ouvi-la exclamar quatro ais quase a seguir?
D. Mendo ficou pensativo.
- Zuleima! Por mim.. .prefiro não acreditar em profecias de feiticeiras.
- Mas eu acredito, senhor!
- De qualquer modo, tentaremos evitar que Anasir volte a proferir tal exclamação -que por desgraça é tão vulgar!
- Assim o desejo! Mas estou crente que o destino está contra nós...Nada poderemos fazer.
No limiar da porta que dava para a alcova, Anasir surgiu, sorrindo.
- Que surpresa agradável, meu senhor!
Censurando Zuleima:
- Porque não me chamaste?
- D. Mendo assim o determinou. Ela tentou-lhe ralhar.
- Ai, meu senhor, porque fizeste isso?
Mas deixou de sorrir vendo a palidez de Zuleima. Voltou-se para o cavaleiro:
- D. Mendo! Achais que Zuleima se assusta com razão quando eu dito: ai?...
- D. Mendo não conseguiu esconder certa apreensão. Zuleima chorava em silêncio. O cavaleiro falou à sua amada:
- Sabeis de certo que na vossa religião se acredita em vaticínios de feiticeiras.
- Sei.
Propositadamente D. Mendo mentiu, fingindo acreditar no que Zuleima lhe dissera.
- Pois bem: dizem que os ais vos trazem infelicidade.
- D. Mendo não sei porque Zuleima chora! - disse sorrindo.
- Porque vós senhora, soltaste mais dois ais! Já são seis, senhora! Seis!...
Ela olhou-a perplexa:
- E isso que tem? Desde que os pronuncio é que conheça a felicidade! E a vós o devo, D. Mendo!
O cavaleiro cristão apertou nos braços a jovem moura:
- Querida! Gostaria de ficar sempre ao pé de vós!
- Porque não ficais?
- Sou obrigado a ausentar-me por algum tempo. O meu senhor, el-rei D. Afonso Henriques, nomeou-me para nova empresa.
O sorriso desapareceu do rosto da jovem moura.
- Ides...combater com os mouros?
- Sim.
- E tendes mesmo de obedecer?
- Sou guerreiro, e devo obediência ao meu rei.
- Pois ide! Continuarei a amar-vos, apesar de quanto tenta separar-nos! Quando partis?
- Depois de amanhã.
- Seguireis aquela estrada que se vê além? Sim.
- Pois ficarei sentada naquele penedo, a olhá-la, até os meus olhos não poderem distinguir-vos mais!
- Minha doce Anasir! Porque há-de o mundo separar os namorados?
Ela olhou-o através de um véu de lágrimas.
- Porque esta terra é uma terra de mágoa e de dor! Pagamos bem caro cada minuto de felicidade!
Como se a tarde se quisesse associar à súbita tristeza de Anasir, O Sol escondeu-se por detrás da serra, numa pequena nuvem de estranho desenho...
 Mais sete dias se passaram, segundo a lenda. Anasir passeava pelo terreiro mergulhada na saudade que sentia. Zuleima espiava os arredores e também ela tinha descoberto sombras suspeitas a rodearem a casa. De súbito, ouve-se uma algazarra de um grupo de mouros. Anasir e Zuleima correram para ver o que se passava e viram um grupo de mouros onde um se destacava, Aben-Abed. Zuleima gritou-lhe:



- Porque vens tu agora?
Aben olhou-a com rancor.
- O que é meu é sempre meu!
Vendo-o a caminhar para Anasir atravessou-se á sua frente e gritou-lhe:
- Vai-te! Afasta-te do nosso caminho e segue o teu! É melhor assim!
Abed continuou a caminhar em direcção a Anasir. Esta pálida de susto, parecia ter perdido a fala. Zuleima protegia a ama com o seu corpo.
Aben sem uma palavra levantou o alfange e num só golpe cortou a cabeça da velha e dedicada aia. Louca de aflição, Anasir soltou o sétimo ai, que ficou repercutindo no espaço. Vendo o algoz que fora de sua mãe, gritou:

- Maldito sejas, Aben-Abed!
A voz porém, extinguiu-se-lhe da garganta. Aben ferira-a no peito, com um golpe mortal. No Horizonte surgiu uma mancha de fogo. Aben fugiu pela segunda vez, deixando as suas vítimas. O silêncio voltou a reinar no terreiro. Um silêncio profundo. Um silêncio de morte.
Quando D. Mendo regressou e soube do sucedido ficou louco de dor. Deu ao terreiro o nome de Seteais, em memória da jovem moura que ele tanto amava."


© O Caminheiro de Sintra



P.S.: Quanto à localização dos sítios mencionados neste blog, tive durante muito tempo a dúvida se a mesma haveria de ser aqui disposta ou não. Pela resolução positiva, peço que faça o melhor uso possível desta informação, o qual principalmente tem a ver com a preservação do património e a não poluição dos locais sob que forma for. Tendo boa fé em si, deixo-lhe aqui no mapa (seta verde - para ver melhor poderá ampliar o mapa), Seteais em Sintra, Portugal:


Ver mapa maior