© Pesquisa e texto: O Caminheiro de Sintra
Fonte: Biblioteca Municipal de Sintra
Imagem: Imageshack
Sobre a Lenda de Seteais de Sintra, já aqui esplanada n'O Secreto Palácio de Sintra, Camilo Castelo Branco faz uma pequena dissertação para Lady Jackson (Catherine Hannah Charlotte Elliott Jackson) para a elaboração do livro dessa, Fair Lusitania, onde é notória a aspereza crítica do escritor português, enlevada pelas emoções que a marca negativa do povo português imprimia no autor.
Existe ainda - depois da referida dissertação - uma pequena nota em forma de adenda, aludindo ainda a outra hipótese para a origem dos sete ais.
Já tínhamos que fortes noções referidas e impressas a respeito de Seteais, umas de gente boçal, outras de pseudo antiquários, não obstante a escritora deu-nos a novidade dos sete clamorosos ais ou hourraha em 1808 [nota: infelizmente não foi possível discernir a que escritora o autor se refere, no entanto, a data de 1808 é a mesma da Convenção de Sintra, mencionada na adenda que se segue a esta dissertação].
Ninguém pode prever até onde se estende a elasticidade de uma inépcia. Leio no Arquivo Pitoresco, em um artigo do Sr. Vilhena Barbosa, que selectamente pesquisa há longos anos todas as velharias portuguesas o seguinte a respeito de Seteais:
"Desde tempos muito antigos um dos divertimentos predilectos da gente moça era ir àquele rocio [nota: em português actual é "rossio", e não o actual "rocio" significando orvalho], à tardinha, despertar os ecos que ali há. Pela disposição dos píncaros da serra, formando um recôncavo no fundo do terreiro, as palavras proferidas em voz alta na extremidade do norte do mesmo terreiro, são repetidas pelo eco com muita clareza e por várias vezes. Dizem que naqueles tempos a palavra mais usada em tais exercícios era um ai, e que daqui viera o nome do rocio, denominando o Senteais na opinião de uns, por parecer que a serra os sente e expressa; ou Seteais, segundo outros, crendo que o eco repete sete vezes a mesma palavra. Fosse porém, qual fosse a etimologia do nome, o que é certo é que foi este último que prevaleceu."
E devia prevalecer neste país onde estudam etimologias nas crendices populares.
Recorramos à palavra radical e refutemos de vez, se possível é, interpretações apenas ajeitadas para completarem o cabaz de ridiculezas que os estrangeiros levam de Portugal para escancararem as mandíbulas dos seus patrícios.
"Seto", em antigo português, sebe, tapada, redil, estacada, etc . (de Septum [nota: "do latim Septum"], que tem análogas significações).
"Seteaes" – plural de seto. Quer haja sido uma tapada o terreno em que se fundou o palácio, ou, em remota época, uma estacada de torneios, ou simplesmente um terreno vedado por sebes, tudo nos elucida a etimologia da palavra, nem nos acostar-mos à conjectura do sete ais, nem às repetições do ai que o eco repercute, nem ainda à sensibilidade dos píncaros da serra, conforme as tradições que o operoso Sr. Vilhena Barbosa não refuta na sua escrita.
Declaro que não fundamento em autoridades a minha opinião porque a não trasladei. É de crer que não encontre a palavra seto nos vocabulários de uso vulgar, nem ainda no Elucidário; porém Fr. Santa Rosa de Viterbo publicou um livro de não menos porte, intitulado Dicionário Portátil das Palavras, Termos e Frases [nota: Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1825] que antigamente se usavam e que hoje regularmente se ignoram, e a palavras está aí. Se a formação do plural de sete em seteses fizer implicância aos gramáticos, transijam com as irregularidades do povo no seu modo de formar plurais, e convenham em que se dizia também seteal. Na província de Trás-os-Montes há campos, feiras, e devezas com aquela denominação e daí deriva o verbo setear (cercar).
Camilo Castelo Branco (Nota à Formosa Lusitânia (Fair Lusitania) de Lady Jackson)
Nota a Lady Jackson, ainda sobre a Lenda de Seteais de Sintra:
Disseram-me que este nome Seteaes tem referência à assinatura da convenção (de Sintra) (nota: embora a Wikipédia refira que a Convenção de Sintra foi assinada no Palácio de Queluz, não cita fontes, ajudando assim a manter a ainda dúvida de se a mesma terá sido assinada no Palácio de Queluz como defendem alguns autores, ou no Palácio de Seteais em Sintra, como defendem outros autores) Porquanto, quando os oficiais e soldados que enchiam a casa tal souberam, expediram sete clamorosos Ais! ou hurrahs, repelindo o seu quinhão de aviltamento de Junot, em memória de quem se denominou a casa do Marquês de Marialva, Palácio dos Sete Ais. Dizem outros que a causa é haver no edifício um eco que repete sete sílabas.
© O Caminheiro de Sintra