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Retrato de D. Fernando II |
Para além de inúmeras referências ao Palácio da Pena dignas de registo para quem por ele se interessar, o referido artigo tem um efeito curioso que é o de organizar dentro da mente de quem o leia, aquilo que muitos já se terão apercebido, mas que possivelmente nunca o estruturaram mentalmente ou analisaram com a clareza que nele é notória:
"O Castelo da Pena, essa estranha e tão sedutora criação de D. Fernando II e do arquitecto Barão de Eschwege, é, no seu aspecto arquitectónico, uma obra híbrida, na qual avulta a sua feição de revivalismo. Tem pormenores inspirados em variados estilos (1). Aí encontramos também a presença do manuelino, aspecto que Raul Lino valorizou pelo seu carácter prioritário, mas sem pormenorizar infelizmente: «é digno de nota o terem-se aproveitado aqui (na Pena) pela primeira vez elementos de arquitectura nacional, nomeadamente manuelinos». (2)
Decorridas cerca de três décadas, Diogo de Macedo, simultaneamente um escultor e um estudioso, um historiador e um crítico de arte que nos legou páginas com reais méritos, assim apreciou a mesma faceta desse monumento: «no culto de um nacionalismo delirantemente concebido, só a preocupação imitativa de velhos estilos, em total fantasia cenográfica se tornaria notória pelo barroquismo pitoresco e compósito que o rei D. Fernando fora o primeiro a adoptar nas obras do palácio da Pena, em Sintra. Romantismo evocativo que, sobretudo viria a perturbar pelos pastiches imprevistos».(3)
Tal como Raul Lino, Diogo de Macedo mantém os seus comentários num plano de generalidade.
Quanto ao Prof. José-Augusto França, nas suas magistrais e penetrantes páginas dedicadas ao Castelo da Pena, aponta no mesmo sentido dois aspectos particulares: o «Pórtico de Tritão, imitação da Porta da Justiça de Alhambra, de Granada, cujas plantas e levantamentos foram riscados por encomenda de D. Fernando», assim como «a imitação da famosa janela da Sala do Capítulo do Convento de Cristo em Tomar», apreciando-a, com o seguinte comentário: «A cópia infiel da Janela do Capítulo denuncia a involuntária caricatura romântica - que, neste caso, agindo sobre um elemento decorativo de um estilo ornamental lhe faz a crítica... Decoração em segundo grau, decoração de decoração, o desenho romântico desfaz-se, desfazendo também o original manuelino, a sua insuficiência arquitectural de aplique.
Janela do Capítulo, no Convento de Cristo em Tomar (imagem não presente no artigo original) |
Ser semelhante ao Tritão do Palácio da Pena, na base da Janela do Capítulo no Convento de Cristo em Tomar (imagem não presente no artigo original) |
Porta antecedendo a Ponte Levadiça tem nas ombreiras e na parte superior uma decoração cuja semelhança com a do Cunhal das Bolas no Bairro Alto, em Lisboa, é evidente |
Aspecto do Cunhal das Bolas |
A parede onde se abre a porta que antecede a pequena Ponte Levadiça, tem uma decoração inteiramente semelhante à da fachada da Casa dos Bicos, em Lisboa |
A fachada da Casa dos Bicos, com a sua característica decoração. Aspecto anterior às obras de restauro. Assim seria, ou com pequenas alterações, na época de D. Fernando II |
Uma das guaritas da Torre de Belém encimada pela cúpula de gomos, segundo um desenho de Haupt. Lateralmente vêem-se algumas ameias |
Parte de uma das guaritas da Torre de Belém, decorada com a cabeça de um animal fantástico |
Na Torre de Belém, o corpo inferior, com dois pisos, apresenta no andar de cima janelas geminadas e, no de baixo, varandas. Na torre do relógio, do Castelo da Pena, o corpo inferior só tem um piso, no qual as janelas geminadas abrem sobre as varandas, morfologicamente idênticas às da Torre de Belém
A torre do relógio no Castelo da Pena. Na sua morfologia, nas guaritas, nas ameias decoradas com a mesma cruz e nas varandas é notória a semelhança com a Torre de Belém |
Aspecto da Torre de Belém. No primeiro plano a torre, cujas semelhanças com a torre do relógio da Pena são notórias |
Notas:
(1) Afirma-se no Guia de Portugal, edição da Biblioteca Nacional de Lisboa: «os viajantes de gosto mais educado e exigente (Beauregard e Fouchier, Inchbold, Martin Hume, Bertaux) vêem nele um pretensioso mistifório de todos os estilos (minaretes árabes, torres góticas, janelas manuelinas, cúpulas da Renascença), vaste pastiche oú le baroque le plus truculent renchérit sur le manuélin (par ex. das l’étonnante fenètre du géant), como escreve Bertaux» (vol. I, pág. 500). De recordar ainda a afirmação de Raszynski: «em 2245 os arqueólogos moeriam o juízo quando quisessem fixar a época de diferentes construções da Pena».
(2) Guia de Portugal, ed. da Biblioteca Nacional de Lisboa, Lisboa, 1924, vol. I, pág. 500.
(3) História da Arte em Portugal, Porto, 1953, vol. III, págs. 508-509. O trecho transcrito encontra-se no capítulo VII, sobre o século XIX, o único da autoria de Diogo de Macedo (cf. pág. 457). Todos os restantes pertencem a Reynaldo dos Santos, única autoria indicada no rosto do volume.
(4) A Arte em Portugal no Século XIX, Lisboa, 1966, vol. I, pág. 302.
Palácio da Bacalhoa em Azeitão, com torre com cúpula em gomos (imagem não presente no artigo original) |
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Palácio da Pena, a Arquitectura; José Martins Carneiro, os Depoimentos - Parte I
José Martins Carneiro e o Palácio da Pena - Parte II
Palácio Nacional da Pena - Parte III