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domingo, 27 de junho de 2010

Chalet Biester em Sintra - do Comerciante, do Dramaturgo, e ainda do filme "The Ninth Gate" ("A Nona Porta", com Johnny Depp)



© Pesquisa e texto: O Caminheiro de Sintra
Imagens: Arquivo do Caminheiro de Sintra


O Chalet Biester, também palco
do filme A Nona Porta
  O Chalet Biester, sito na Estrada da Pena, à vista de todos que pela Vila de Sintra e que pelo alto do Castelo dos Mouros passam, mas escondido desses sendo o seu nome, data de 1890, e a sua construção foi plano do arquitecto José Luís Monteiro - responsável entre outras obras pela nave da Estação do Rossio e pelo aumento do Parque Eduardo VII (esta última, a par do engenheiro Frederico Ressano Garcia) - ao qual foi requisitado que utilizasse um estilo denominado Queen Anne (ou Barroco Inglês), mistura de neogótico e neo-românico.

Planta do Chalet Biester
  Para o interior do Chalet Biester, o escolhido foi Luigi Manini, arquitecto e pintor, que à altura vivia em Lisboa, sendo encenador no Teatro São Carlos. Recorde-se que Luigi Manini foi o responsável pelas belíssimas obras do Palácio Hotel do Buçaco, e pela Quinta da Regaleira em Sintra, esta última, a pedido de Augusto Carvalho Monteiro, e em detrimento de Henri Lusseau, responsável pelo primeiro projecto do Parque da Liberdade em Lisboa, posteriormente Parque Eduardo VII.

  Luigi Manini utiliza assim no interior frescos medievais, combinando-os com o gótico flamejante, e o estilo próprio da época, mescla da qual saem os vitrais multicolores encomendados em França, que dão um colorido clássico ao interior, iluminando também os móveis criados por Leandro Braga, o artista entalhador que criou igualmente peças para o Palácio da Ajuda, e para o Palácio de Belém (residência oficial do Presidente da República Portuguesa).
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  Quanto ao proprietário, "Biester" de nome de família, surgem duas versões em vários textos aludindo a duas diferentes pessoas: Ernesto Biester, grande comerciante de cortiça, de origem alemã, à época há muitos anos em Portugal; Ernesto Biester, criador de inúmeros textos, dramaturgo, jornalista, e empresário do Teatro D. Maria II, que nasceu e faleceu em Lisboa.
Oratório do Chalet Biester

  Quanto a estas duas versões, a elucidação chega de uma forma bastante simples: Ernesto Biester, o português, faleceu em Lisboa em 1880, e como o Chalet Biester data de 1890, só poderá ter saído da vontade de Ernesto Biester, o comerciante de cortiça alemão. [nota de Fevereiro de 2012: não é tão simples quanto isso, e longe de ser simplista como a forma como o expus; no entanto, decorre a investigação relacionada com o tema deste parágrafo]

  É possível também encontrar no número 4 da revista A Architectura Portugueza, de 1908:

[nota: com ortografia da época] Em detalhe, toda a construcção é um mimo. Exteriormente, o arco abatido que emmoldura a porta dupla de entrada, arco em que se ergue um balcão coberto, constitue, no seu conjuncto, um motivo delicioso em que [José Luís] Monteiro affirma, simultaneamente, o seu valor de constructor e de artista. D’uma grande simplicidade, casando-se admiravelmente com a restante fachada de que esse motivo é a parte central e principal, as columnas que, n’elle, entram, sem deixarem de representar a sua funcção structural, de supporte, são d’uma graça e leveza incomparáveis, e a maneira como Monteiro deu a máxima cor, sem volumes excessivos, a esse detalhe da fachada, é tambem uma affirmação, e boa, da sua valia.
Internamente, se Monteiro teve a collaboração de Manini e Leandro Braga que, sobretudo na sala de jantar, mostrou quão grande era o seu valor de technico e artista, a sua direcção adivinha-se em toda a parte, ainda mesmo n’um ou n’outro ponto em que a phantasia de Leandro Braga, sentindo-se mais à vontade, se expandiu por isso tambem mais livre e acentuadamente. Desenhador d’um valor que, ainda hoje, é lembrado como tal pelos seus companheiros do atelier Pascal, Monteiro, sem prejudicar a visão de Leandro Braga que era o primeiro a respeitar, detalhou até à ultima, sempre que o julgou necessario, qualquer pormenor em que Braga interveio e que Monteiro entendia estar dentro da sua alçada. No resto, Braga, subordinando-se ao plano geral, fez só o que a sua consciencia de artista lhe ditou. E assim, a obra dos dois, se por vezes se funde, funde-se sempre em virtude do esforço consciente de ambos, não trazendo por isso prejuizo a um ou a outro, mas antes dando-lhes mais lustre e gloria.
Interiores
O parque que, como já dissemos, é obra de Nogré, é uma maravilha. Como Polixénes do “Conto d’Inverno” de Shakespeare, que dizia que “a arte que ajuda a natureza é a arte superior porque é, por assim dizer, ainda a natureza”, o sr. Nogré fez o seu jardim Biester no estylo da paysagem, limitando-se sempre que lhe foi possivel, acabar a obra principiada pela natureza, e isso sem esquecer a casa que o jardim tinha de enquadrar. N’esta orientação, traçou-lhe todas as ruas e alamedas de forma a fazer valer, de todos os lados e o melhor possivel, a silhueta geral do edificio. Ora avultando em pittorescos maçissos, ora ondulando, naturalmente, sem outra cobertura além da que lhe dá a herva cuidadosamente aparada, o parque valorisa-se assim com o mesmo principio de sobriedade que caracterisa, na alternação dos espaços nus e decorados, o estylo romanico. E, correndo em todos os sentidos, ao longo das três faces posteriores da casa, que umas vezes quasi desapparece sob a massa dos seus tufos, outras surge desafogada, e ainda outras apparece enquadrada e recortada da folhagem, esta oferece-se, por esta fórma, continuamente, a quem a olha de fóra, como um elemento sempre original e novo.
Notas: Na casa Biester, collaboraram as seguintes pessoas: mestre Costa, tendo por encarregado de carpinteiros seu sobrinho Carlos da Costa Soares, ambos de Cintra. Este ultimo, quando aquelle se impossibilitou por doença, substituiu-o como mestre da obra até final, mostrando a sua muita competência. Os estuques são de Domingos Antonio da Silva Meira; a esculptura em madeira de Leandro Braga e a pintura decorativa de Luigi Manini, excepto o arauto que se vê na entrada que é de Baeta, tambem distincto pintor. A guarnição de ferro forjado da grande chaminé da sala de jantar é de José da Quinta, artista serralheiro de grande valor.


Johnny Depp no Filme A Nona Porta,
ao portão do Chalet Biester
  O Chalet Biester foi também palco de uma parte do filme The Ninth Gate (A Nona Porta) de Roman Polanski, em que o protagonista principal foi o actor Johnny Depp (mais abaixo podem-se ver dois vídeos com a parte do filme rodada no Chalet Biester). Johnny Depp que assume o nome de Dean Corso, que é um especialista - um pouco ganancioso - de livros raros, e que a mando de um milionário (Boris Balkan) é mandatado para encontrar três cópias de Os Nove Portais para o Reino das Sombras, de 1666 e supostamente escrito pelo próprio Satanás e por um autor veneziano de nome Aristide Torchia - possívelmente inspirado na vida de Giordano Bruno. Em Sintra, Dean Corso vai a casa de Victor Fargas, detentor de uma cópia de Os Nove Portais para o Reino das Sombras, e que vive com um estilo de aristocrata em decadência que já sem mobiliário no Chalet Biester, vende o que resta da sua extensa colecção de livros para poder comprar comida e pagar os impostos. O filme é uma adaptação do livro The Club Dumas (1993) de Arturo Pérez-Reverte.

  Abaixo, dois trechos do filme A Nona Porta, onde aparece o Chalet Biester (a partir do minuto 7:07 do primeiro vídeo):






© O Caminheiro de Sintra


P.S.: Quanto à localização dos sítios mencionados neste blog, tive durante muito tempo a dúvida se a mesma haveria de ser aqui disposta ou não. Pela resolução positiva, peço que faça o melhor uso possível desta informação, o qual principalmente tem a ver com a preservação do património e a não poluição dos locais sob que forma for. Tendo boa fé em si, deixo-lhe aqui no mapa (seta verde - poderá ampliar o mapa para ver melhor), o Chalet Biester - que é propriedade privada - na Estrada da Pena, Sintra, Portugal:


Ver mapa maior