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domingo, 8 de abril de 2012

António Augusto de Carvalho Monteiro - Uma Anedota na Hora da Morte, ou a Imprensa no Seu Melhor (Quinta da Regaleira)



© Texto e pesquisa: O Caminheiro de Sintra
Imagem: arquivo do Caminheiro de Sintra


António Augusto de Carvalho Monteiro, com o seu sobrinho 2º tenente Pereira de Mello,
comandante da lancha Sena, em Pedrouços, 16 anos antes de seu falecimento


Em 1920 falecia em Lisboa António Augusto de Carvalho Monteiro, conhecido como Monteiro dos Milhões. Especial, muito especial se tornou a ligação deste senhor a Sintra. Comprando na década de noventa de 1800 a Quinta da Torre (denominação antiga), que era conhecida pela sua beleza natural, remodelou-a criando a Quinta da Regaleira que se vê hoje em dia, tendo aproveitado traços e itens da velha propriedade, como por exemplo o brônzeo leão.

Conhecido - mais do que hoje em dia - naqueles tempos pela sua bonomia, patente no cruzamento de conhecimentos que provia no meio em que se movimentava e beneficiando a sociedade com esses, fazendo parte da comissão fundadora do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos - criado por D. Amélia de Orleães -, ou protegendo e reeditando edições camonianas perdidas, ou até simplesmente dando singelos contributos para o Mundo da entomologia com capturas na Serra de Sintra, nem isso o livrou de na hora da sua morte surgir na imprensa uma anedota acerca da sua pessoa. Há que compreender também, que “anedota” à época era um termo cujo significado tinha mais que ver com inaudito do que o risível com que hoje viralmente com discreta malícia se propaga.


Um denegrir é talvez a primeira imagem com que se fica da história contada, e revolta talvez a quem carinho nutra por esta encantadora personagem; porém, indo mais além, ultrapassando a crueza da resposta final e o lugar comum das palavras, emoções, e uso de expressões num psitacismo que tão comum  - e cansativo - é naquela expressão que envolve a palavra “pena”, compreende-se por detrás a justeza de um equilíbrio moral e justo balanço, difícil de por muitos ser atingido e por muitos outros sendo sempre alvo de maus sentimentos, visto para a compreensão e justo uso da trama moral do ser Humano ser preciso muito mais do que se ficar deitado, deleitando-se em emoções, deixando o pensamento e a evolução do espírito para amanhã, ou talvez para as onze no farol.

Não mencionando sequer, o carácter mais que esmoler, benévolo, de quem proporcionava tal oportunidade de fortuna àqueles que pela sociedade no geral - onde os olhos dos próprios se incluíam - eram vistos como zés-ninguém.

...isto, sendo a anedota algo inaudito, e não algo inexaminável por produto ser da fantasia de alguém. Ou como uma lenda ou um mito, poder ter - hipótese! - um fundo de verdade, que foi depois transformado de modo a deliciar atentos ouvidos e sedenta garganta por má-língua encimada...

Mas o melhor, será mesmo deixar a anedota consigo, para que dela e do passado possa neste presente usufruir:

Acaba de falecer em Lisbôa, o dr. António Augusto de Carvalho Monteiro, conhecido em todo o Portugal por "Monteiro dos milhões".
Como o cognome indica, era riquissimo, e tinha uma qualidade rarissima no mercado dos milionários: era esmolér.
Conta-se dele a seguinte anedota:
Como quasi sempre o fazia, mandou um seu creado particular, comprar dois bilhetes para a loteria hespanhola do Natal.
Um bilhete era para ele, e o outro para a creadagem.
De uma vez bateu-lhe a sorte grande a porta, mas no bilhete com que ele tinha ficado, saindo o dos creados, branco.
O servo foi ter com o dr. Monteiro e disse-lhe muito comovido:
- Eu trouxe os dois bilhetes a V. Excelencia…
- Sim, e depois?
- V. Exa. guardou um e deu o outro aos seus creados…
- Sim, e depois?
- Ora o de V. Exa. saiu com a sorte grande…
- Continua, homem!
- E o nosso saiu branco…
- Mas o que queres tu dizer com tudo isso?
- Eu… vinha… vêr, se Vossa Excelência dava alguma coisinha á creadagem. Era de justiça...
O doutor tirou uma pitada da sua caixa de ouro, e respondeu repoltreando-se na cadeira:
- Ora dize-me com franqueza, se te tivesse saido a sorte grande davas-me alguma cousa?
- Saiba V. Exa. que lhe dáva os meus agradecimentos.
- Pois é isso mesmo o que eu vou fazer…
E levantando-se, estendeu a mão ao creado e disse-lhe muito cortez:
- Agradecido João pelo bilhete que te mandei comprar.
Posso garantir que este facto autentico correu todo o Portugal.

© O Caminheiro de Sintra