© Texto e pesquisa: O Caminheiro de Sintra
Imagem: arquivo do Caminheiro de Sintra
António Augusto de Carvalho Monteiro, com o seu sobrinho 2º tenente Pereira de Mello, comandante da lancha Sena, em Pedrouços, 16 anos antes de seu falecimento |
Em 1920 falecia em Lisboa António Augusto de Carvalho Monteiro, conhecido como Monteiro dos Milhões. Especial, muito especial se tornou a ligação deste senhor a Sintra. Comprando na década de noventa de 1800 a Quinta da Torre (denominação antiga), que era conhecida pela sua beleza natural, remodelou-a criando a Quinta da Regaleira que se vê hoje em dia, tendo aproveitado traços e itens da velha propriedade, como por exemplo o brônzeo leão.
Conhecido - mais do que hoje em dia - naqueles tempos pela sua bonomia, patente no cruzamento de conhecimentos que provia no meio em que se movimentava e beneficiando a sociedade com esses, fazendo parte da comissão fundadora do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos - criado por D. Amélia de Orleães -, ou protegendo e reeditando edições camonianas perdidas, ou até simplesmente dando singelos contributos para o Mundo da entomologia com capturas na Serra de Sintra, nem isso o livrou de na hora da sua morte surgir na imprensa uma anedota acerca da sua pessoa. Há que compreender também, que “anedota” à época era um termo cujo significado tinha mais que ver com inaudito do que o risível com que hoje viralmente com discreta malícia se propaga.
Um denegrir é talvez a primeira imagem com que se fica da história contada, e revolta talvez a quem carinho nutra por esta encantadora personagem; porém, indo mais além, ultrapassando a crueza da resposta final e o lugar comum das palavras, emoções, e uso de expressões num psitacismo que tão comum - e cansativo - é naquela expressão que envolve a palavra “pena”, compreende-se por detrás a justeza de um equilíbrio moral e justo balanço, difícil de por muitos ser atingido e por muitos outros sendo sempre alvo de maus sentimentos, visto para a compreensão e justo uso da trama moral do ser Humano ser preciso muito mais do que se ficar deitado, deleitando-se em emoções, deixando o pensamento e a evolução do espírito para amanhã, ou talvez para as onze no farol.
Não mencionando sequer, o carácter mais que esmoler, benévolo, de quem proporcionava tal oportunidade de fortuna àqueles que pela sociedade no geral - onde os olhos dos próprios se incluíam - eram vistos como zés-ninguém.
...isto, sendo a anedota algo inaudito, e não algo inexaminável por produto ser da fantasia de alguém. Ou como uma lenda ou um mito, poder ter - hipótese! - um fundo de verdade, que foi depois transformado de modo a deliciar atentos ouvidos e sedenta garganta por má-língua encimada...
Mas o melhor, será mesmo deixar a anedota consigo, para que dela e do passado possa neste presente usufruir:
“Acaba de falecer em Lisbôa, o dr. António Augusto de Carvalho Monteiro, conhecido em todo o Portugal por "Monteiro dos milhões".
Como o cognome indica, era riquissimo, e tinha uma qualidade rarissima no mercado dos milionários: era esmolér.
Conta-se dele a seguinte anedota:
Como quasi sempre o fazia, mandou um seu creado particular, comprar dois bilhetes para a loteria hespanhola do Natal.
Um bilhete era para ele, e o outro para a creadagem.
De uma vez bateu-lhe a sorte grande a porta, mas no bilhete com que ele tinha ficado, saindo o dos creados, branco.
O servo foi ter com o dr. Monteiro e disse-lhe muito comovido:
- Eu trouxe os dois bilhetes a V. Excelencia…
- Sim, e depois?
- V. Exa. guardou um e deu o outro aos seus creados…
- Sim, e depois?
- Ora o de V. Exa. saiu com a sorte grande…
- Continua, homem!
- E o nosso saiu branco…
- Mas o que queres tu dizer com tudo isso?
- Eu… vinha… vêr, se Vossa Excelência dava alguma coisinha á creadagem. Era de justiça...
O doutor tirou uma pitada da sua caixa de ouro, e respondeu repoltreando-se na cadeira:
- Ora dize-me com franqueza, se te tivesse saido a sorte grande davas-me alguma cousa?
- Saiba V. Exa. que lhe dáva os meus agradecimentos.
- Pois é isso mesmo o que eu vou fazer…
E levantando-se, estendeu a mão ao creado e disse-lhe muito cortez:
- Agradecido João pelo bilhete que te mandei comprar.
Posso garantir que este facto autentico correu todo o Portugal.”
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