© Texto e pesquisa: O Caminheiro de Sintra
Imagens: arquivo do Caminheiro de Sintra; blog Prosimetron; site da Clap Filmes
Antes de mais, a salientar o facto de que durante esta investigação da qual resulta a colecção Sintra, Imagem em Movimento, ou simplesmente a filmografia de Sintra, Raoul Ruiz faleceu. Da sua mente saiu em fantasia para os nossos olhos e nossa mente, este Combat d'Amour en Songe, que embora complexo e confuso para quem a ele assista pela primeira vez, trata-se de uma quase infantil lúdica graciosidade, tal como o mesmo o expressou acerca do seu próprio filme: Não é um filme para crianças mas deverá guardar este aspecto de um máximo de inocência... Mas não sei bem... Porque ainda não está escrito, cada noite escrevo coisas...segundo o que se passa nesse dia.
Raoul Ruiz no seu Combat d'Amour en Songe, praticamente todo ele rodado em Sintra, na Quinta da Regaleira |
A complexidade aqui, pode na mente de alguns evocar algo de esotérico ou alusivo a moda, como por exemplo se pode ver no filme The Compass. No entanto, encontra-se longe de o ser, e reporta-se mais a uma fantasia livre e lúdica na forma como é exercida, o que se pode até verificar nas palavras do realizador acerca de Sintra: Aqui, em Sintra, há um campo magnético fortíssimo: dormimos mais, sonhamos mais, temos mais vontade de trabalhar... E isto não tem nada de esotérico.
Um improviso, seguro na capacidade de desejo pela graciosidade infante, geradora da mais atraente fantasia, fazia com que Raoul Ruiz durante as filmagens estivesse a criar os pormenores que avivam a chama da nossa inocência, que sempre enseja vislumbrar o que velado se encontra: Um amigo disse-me que, na verdade, os meus filmes eram notas de rodapé dos livros que leio durante as filmagens - trouxe uma boa centena de livros. Mas está previsto fazer assim as filmagens. Leio, depois sonho, depois... Há coisas em que pego e transformo em história. No outro dia, Melvil Poupaud chegou atrasado, utilizou outro casaco e agora há uma história que é a dos dois casacos do fantasma.
No entanto, os princípios base mantinham-se sempre, mesmo que na teia de complexidade Raoul Ruiz jogasse com os detalhes e com o intervir do destino imediato: Há nove fios condutores que se combinam segundo os princípios combinatórios de um cabalista cretense, "inventor à distância" da máquina de calcular e do computador. Inventou sistemas combinatórios que já utilizei para escrever romances mas que utilizo agora pela primeira vez em cinema. (...) Queria fazer um filme com os elementos habituais de um conto para crianças. Os apreciadores deste tipo de literatura poderão descobrir facilmente as alusões a referências a Hans Christian Andersen (O Companheiro de Viagem), ao folclore português e chileno (A Cidade Fantasma de Anlia, Cidade dos Césares, A Gruta dos Bruxos na Província Recta, a Gruta de Salamanca), bem como a tradições judias (O Nome Secreto, Os Sete Livros).
Há também muitas invenções pessoais e um jogo de encadeamentos narrativos que muito devem às Mil e Uma Noites, e não pouco aos irmãos Grimm.
No entanto, ainda que não pareça, a história tem um fundo verídico: no princípio do século, Ricardo Latcham, jovem na época (vinte anos), sendo um simples empregado da Biblioteca de Santiago do Chile, foi contratado por um caçador de tesouros. Viajaram juntos até Guayancan, no norte do Chile. Ali encontraram uma quantidade de documentos escritos com caracteres hebraicos, gregos, árabes e tuaregues, com os quais se teria podido escrever a história, a vida e os milagres da república anarquista dos Irmãos da Costa [nota CdS: Irmãos da Costa foi uma irmandade que teve a sua origem nos piratas e marginais outros].
Acontece que os caçadores de tesouros não encontraram valor nesses documentos. Não viram esse outro tesouro. Regressaram a Santiago e perdeu-se grande parte do material por eles encontrado. Restam porém alguns exemplares dos achados e penso utilizá-los no filme. O meu interesse é contar a fábula filosófica que aquela expedição esconde e dar-lhe a forma de um conto para crianças, de modo a preservar a riqueza da sua polissemia.
Melvil Poupaud também se regia nas suas palavras pelo mesmo tom de complexidade e graciosidade evidenciado por Raoul Ruiz: A certo momento todas estas histórias, que começam separadas, acabam por se encontrar, e, portanto, todas as personagens acabam por se encontrar também. Há fios condutores, objectos que os unem, lugares em comum, e histórias que se misturam, personagens que viajam um pouco... É preciso seguir com atenção porque as coisas misturam-se tão bem que nós próprios às vezes podemos não saber bem onde estamos. É preciso ser atento ao que se passa. Pouco a pouco as personagens começam a delinear-se melhor.
Embora isso, a assumpção da dificuldade do filme, embora toda a sua fantasia e ícones: Penso que vai ser um muito bom filme, mas difícil de perceber. É preciso ter vontade de se integrar na história para a apreciar, há muitos elementos, muita interacção entre as personagens e épocas diferentes... Mas tudo muito bem organizado.
Também demonstrativo da flexibilidade de Raoul Ruiz, e da sua capacidade de assimilação nas histórias mantendo o doce cativante toque, Lambert Wilson contava a seguinte história que mostra em palavras o início de Combat d'Amour en Songe, que à altura ainda não havia sido finalizado: Perguntei-lhe se ele ia explicar ao público (as combinações das nove histórias). Ele não tinha pensado sobre isso e, por fim, decidiu que o ia fazer. Assim, o início é uma explicação para o público: o filme começa como as actualidades a preto e branco dos filmes dos anos 50. E vemos actores que vão fazer o filme a chegar. É uma forma de dar uma chave que logo depois esquecemos completamente.
E assim Duarte de Almeida - falecido em 2009 - interpretando um representante do governo português, e com a sua carismática voz que parecia sempre se elevar de um exaurido estado, literalmente abre o filme em preto e branco, dando a todos as boas vindas. Assim começa a lúdica fantasia em Combat d'Amour en Songe.
E assim Duarte de Almeida - falecido em 2009 - interpretando um representante do governo português, e com a sua carismática voz que parecia sempre se elevar de um exaurido estado, literalmente abre o filme em preto e branco, dando a todos as boas vindas. Assim começa a lúdica fantasia em Combat d'Amour en Songe.
Para além de Melvil Poupaud - que começou a trabalhar com Raoul Ruiz aos dez anos de idade - e Lambert Wilson, Combat d'Amour en Songe contou também com Christian Vadim - filho de Catherine Deneuve -, Rogério Samora, Elsa Zylberstein, Lambert Wilson, José Meireles, Francisco Nascimento, e os recém falecidos Duarte de Almeida, Rui Luís da Conceição Silva, e Pedro Hestnes, este último filho do arquitecto Raul Hestnes Ferreira que projectou a casa de Albarraque para seu pai, o escritor José Gomes Ferreira, numa visão de casa saloia na modernidade do século XX.
Pedro Hestnes e o avô, José Gomes Ferreira na casa de Albarraque, em Sintra (foto em link do blog Prosimetron) |
gravura de Hypnerotomachia Poliphili, A Luta de Amor de Poliphilo Num Sonho |
edifícios das cavalariças na Quinta da Regaleira, aquando da sua construção, nos inícios do século XX - também cenário de Combat d'Amour en Songe |
Da paisagem natural de Sintra, Raoul Ruiz mostrou-nos em Combat d'Amour en Songe, a Quinta da Regaleira (onde decorre a maior parte do filme) e a Praia da Adraga. Também é visível a Capela de São Sebastião na propriedade do Palácio dos Condes de Castro Guimarães (ou Palácio O'neill - projectado em 1897 por Luigi Manini (também projectista ou arquitecto da Quinta da Regaleira) para Jorge O'neill), bem como os interiores do mesmo. Outros lugares de Sintra com diferente estilo patrimonial que aparecem em Combat d'Amour en Songe são: o Hockey Caffee (Largo Rainha Dona Amélia, defronte da Torre do relógio) nas cenas em que um jovem conhece a sua vida com um dia de avanço; a discoteca Concha na Praia das Maçãs, onde uma rapariga jorra apliques de conhecimentos literários a qualquer coisa que um jovem lhe diz; a esplanada do Hotel Arribas (piscinas da Praia Grande) onde um doutor e um jovem afirmam ter-se visto antes um ao outro em pinturas; e o Restaurante da Adraga, antes da sua renovação, numa cena que é de seguida apresentada.
A constante mobilização de tempos entre si próprios, bem como diferentes personagens alternando num antes e depois com os mesmos actores, forma cenários fantásticos e imbricados das maneiras mais simples possíveis. Como exemplo, a dado momento na Quinta da Regaleira aparecem dois homens que se encontram com um Sócrates que de toga e coroa de louros na cabeça, bebe chá. Aparece um terceiro, mais velho, e começa a contar uma história.
3º homem - Há muito tempo atrás, no futuro, um capitão decidiu chamar ao seu barco, "Sócrates". O barco afundou durante uma tempestade.
(o cenário passa para um restaurante às escuras (Restaurante da Adraga), onde se vê a uma mesa a jantarem, uma mulher e um capitão anão (David Almeida), chovendo só em cima desse último - soa em fundo a sineta de um barco)
Capitão - Fui salvo por milagre.
Mulher - Deus seja louvado!
Capitão - Mas o próximo barco não irá ao fundo.
Mulher - Deus te escute!
Capitão - Vou chamar ao meu próximo barco, "Sócrates 2".
voz do 3º homem - O segundo barco afundou, e o capitão foi salvo por milagre.
(o mesmo local, às escuras, as posições na mesa invertem-se mas o capitão continua com a chuva a cair em cima de si - soa em fundo a sineta de um barco)
Capitão - O meu próximo barco não afundará. Decidi chamá-lo de "Sócrates 3".
Mulher - Não tens medo de que o barco vá ao fundo de novo, por causa do nome?
Capitão - O que é que isso tem a ver?
Mulher - A experiência diz-nos que cada vez que um barco se chama "Sócrates", afunda.
Capitão - Se este se afundar, terás razão, porque três coincidências, são uma lei.
voz do 3º homem - O terceiro barco afundou e o capitão foi salvo por milagre.
(mesmo local, posições novamente invertidas, grande plano do capitão anão, e a chuva a cair em cima de si - soa em fundo a sineta de um barco)
Capitão - Quando um barco se chama "Sócrates", afunda.
Mulher - Queres dizer que todos os barcos chamados "Sócrates" afundam?
Capitão - Se se mudar o nome, nunca mais afunda.
voz do 3º homem - Algum tempo depois, foi-lhe atribuído o comando de um novo barco.
(soa em fundo a sineta de um barco - capitão anão e marinheiro sentados numa mesa, com dois copos à sua frente, e uma janela a mostrar o bar do Restaurante da Adraga antes da sua remodelação, com as redes de pesca penduradas)
Marinheiro - Parabéns! O barco chama-se "Platão"!
Capitão - Ainda Bem!
voz do 3º homem - O capitão navegou durante alguns meses, e um dia sentiu um desejo irresistível de se atirar ao mar.
(no cenário voltam a aparecer os dois homens, com o 3º mais velho)
3º homem - O capitão foi salvo por milagre. Recuperaram o barco, mas começou a sentir medo, porque entretanto quatro outros capitães se atiraram ao mar. Ele atribuiu a sua maldição ao nome "Platão", e decidiu mudar o nome do barco para "Aristóteles". Tudo correu bem, mas tempos depois o capitão morreu.
Um dos dois homens - Afogado?
3º homem - Crise de fígado. [nota CdS: "crise de foie" - crise de fígado; "crise de foi" - crise de fé]
Um dos dois homens - E o que quis dizer com essa história?
3º homem - Não quis dizer nada.
Outro dos dois homens - Nada? Então para que serve se não tem pés nem cabeça?
3º homem - Na realidade fiquei um pouco perdido. Confundi três histórias: a do capitão, do naufrágio, e do barco que muda três vezes de nome e continua a afundar-se.
Um dos dois homens - E porque a contou?
3º homem - Porquê? Por causa do nome "Sócrates".
Um dos dois homens - A propósito...ele desapareceu.
3º homem - Não não, ele está ali.
(entretanto aparece um homem de chapéu curto e bengala, segurando um espelho no colo do seu antebraço)
Um dos dois homens - O espelho roubou-o!
(aparece um grande plano do espelho, com Sócrates no seu reflexo)
Sócrates - Não é roubar, é raptar.
Um dos dois homens - Como São Paulo.
Homem de chapéu curto - De qualquer das maneiras, ele está em boas mãos.
Um dos dois homens - Posso colocar uma questão?
Homem do chapéu curto - Três...
Sócrates - E ficamos por aí.
Um dos dois homens - Posso colocar a mesma questão três vezes? Você é o demónio? Você é o demónio? Você é o demónio?
Embora tivesse tentado através de diversos meios saber qual a cantora portuguesa cuja voz inequivocamente relembra o canto de Manhouce e aparece em dois trechos de Combat d'Amour en Songe, tal não foi possível. A beleza de tal canto parece ser de Isabel Silvestre, mas as tentativas para o assegurar foram inglórias - não devido a esforço para que tal o público e em especial os apreciadores de Isabel Silvestre o soubessem. O excerto da letra da música que aparece nos dois trechos é também muito belo, como se pode sentir na leitura destes fragmentos (e ainda mais, no ouvir de tais fragmentos em tão mística voz):
E letras destacando, enfatiza-se o "pastiche" - termo com que é descrita a elaboração desta poesia - de Raoul Ruiz, que na cena em que é dita, e como é dita, se torna imensamente bela. Razão da conquista de uma mulher de um conhecido por um outro homem - ou demónio.
Estava D. Violante,
muitas risas poucas penas.
Ontem encontrou o marido,
hoje casada e donzela.
Depois das bênçãos na igreja,
despedidas que lhe dera.
Meu marido, meu marido,
não me deixes assim donzela.
Não chores D. Violante,
porque parto para a guerra,
ao outro lado do mar,
ao outro lado da terra.
D. Henrique meu esposo,
não partas para a guerra não,
que as guerras são amores,
e os amores são guerras.
D. Violante minha esposa,
ficas casada e solteira,
saudades como amigas,
a virgem por companheira.
Passam meses, anos passam,
D. Henrique não voltara.
As saudades vão crescendo,
e vão minguando esperanças.
Os anos vão passando,
D. Henrique não voltara.
E em véspera da Páscoa
o mensageiro chegara:
Já morreu o teu marido,
que a morte o apanhara.
Pouco lhe valeu a coragem,
menos prudência contara.
E antes de morrer suplica,
que te veja, que te olhara,
que te tome por esposa,
por ser donzela casada.
A constante mobilização de tempos entre si próprios, bem como diferentes personagens alternando num antes e depois com os mesmos actores, forma cenários fantásticos e imbricados das maneiras mais simples possíveis. Como exemplo, a dado momento na Quinta da Regaleira aparecem dois homens que se encontram com um Sócrates que de toga e coroa de louros na cabeça, bebe chá. Aparece um terceiro, mais velho, e começa a contar uma história.
3º homem - Há muito tempo atrás, no futuro, um capitão decidiu chamar ao seu barco, "Sócrates". O barco afundou durante uma tempestade.
(o cenário passa para um restaurante às escuras (Restaurante da Adraga), onde se vê a uma mesa a jantarem, uma mulher e um capitão anão (David Almeida), chovendo só em cima desse último - soa em fundo a sineta de um barco)
Capitão - Fui salvo por milagre.
Mulher - Deus seja louvado!
Capitão - Mas o próximo barco não irá ao fundo.
Mulher - Deus te escute!
Capitão - Vou chamar ao meu próximo barco, "Sócrates 2".
voz do 3º homem - O segundo barco afundou, e o capitão foi salvo por milagre.
(o mesmo local, às escuras, as posições na mesa invertem-se mas o capitão continua com a chuva a cair em cima de si - soa em fundo a sineta de um barco)
Capitão - O meu próximo barco não afundará. Decidi chamá-lo de "Sócrates 3".
Mulher - Não tens medo de que o barco vá ao fundo de novo, por causa do nome?
Capitão - O que é que isso tem a ver?
Mulher - A experiência diz-nos que cada vez que um barco se chama "Sócrates", afunda.
Capitão - Se este se afundar, terás razão, porque três coincidências, são uma lei.
voz do 3º homem - O terceiro barco afundou e o capitão foi salvo por milagre.
(mesmo local, posições novamente invertidas, grande plano do capitão anão, e a chuva a cair em cima de si - soa em fundo a sineta de um barco)
Capitão - Quando um barco se chama "Sócrates", afunda.
Mulher - Queres dizer que todos os barcos chamados "Sócrates" afundam?
Capitão - Se se mudar o nome, nunca mais afunda.
voz do 3º homem - Algum tempo depois, foi-lhe atribuído o comando de um novo barco.
(soa em fundo a sineta de um barco - capitão anão e marinheiro sentados numa mesa, com dois copos à sua frente, e uma janela a mostrar o bar do Restaurante da Adraga antes da sua remodelação, com as redes de pesca penduradas)
Marinheiro - Parabéns! O barco chama-se "Platão"!
Capitão - Ainda Bem!
voz do 3º homem - O capitão navegou durante alguns meses, e um dia sentiu um desejo irresistível de se atirar ao mar.
(no cenário voltam a aparecer os dois homens, com o 3º mais velho)
3º homem - O capitão foi salvo por milagre. Recuperaram o barco, mas começou a sentir medo, porque entretanto quatro outros capitães se atiraram ao mar. Ele atribuiu a sua maldição ao nome "Platão", e decidiu mudar o nome do barco para "Aristóteles". Tudo correu bem, mas tempos depois o capitão morreu.
Um dos dois homens - Afogado?
3º homem - Crise de fígado. [nota CdS: "crise de foie" - crise de fígado; "crise de foi" - crise de fé]
Um dos dois homens - E o que quis dizer com essa história?
3º homem - Não quis dizer nada.
Outro dos dois homens - Nada? Então para que serve se não tem pés nem cabeça?
3º homem - Na realidade fiquei um pouco perdido. Confundi três histórias: a do capitão, do naufrágio, e do barco que muda três vezes de nome e continua a afundar-se.
Um dos dois homens - E porque a contou?
3º homem - Porquê? Por causa do nome "Sócrates".
Um dos dois homens - A propósito...ele desapareceu.
3º homem - Não não, ele está ali.
(entretanto aparece um homem de chapéu curto e bengala, segurando um espelho no colo do seu antebraço)
"Não não, ele está ali." - actores Rui Luís † (centro), Pedro Hestnes † (dir.), Melvil Poupaud (esq.), Rogério Samora (atrás) |
Um dos dois homens - O espelho roubou-o!
(aparece um grande plano do espelho, com Sócrates no seu reflexo)
Sócrates - Não é roubar, é raptar.
Um dos dois homens - Como São Paulo.
Homem de chapéu curto - De qualquer das maneiras, ele está em boas mãos.
Um dos dois homens - Posso colocar uma questão?
Homem do chapéu curto - Três...
Sócrates - E ficamos por aí.
Um dos dois homens - Posso colocar a mesma questão três vezes? Você é o demónio? Você é o demónio? Você é o demónio?
Embora tivesse tentado através de diversos meios saber qual a cantora portuguesa cuja voz inequivocamente relembra o canto de Manhouce e aparece em dois trechos de Combat d'Amour en Songe, tal não foi possível. A beleza de tal canto parece ser de Isabel Silvestre, mas as tentativas para o assegurar foram inglórias - não devido a esforço para que tal o público e em especial os apreciadores de Isabel Silvestre o soubessem. O excerto da letra da música que aparece nos dois trechos é também muito belo, como se pode sentir na leitura destes fragmentos (e ainda mais, no ouvir de tais fragmentos em tão mística voz):
E um canto doce e feliz vai
morrer nos vales profundos...
Renasce o amor...
Das cinzas ainda quentes
que o veneno da raiva não matou...
Renasce o amor...
E letras destacando, enfatiza-se o "pastiche" - termo com que é descrita a elaboração desta poesia - de Raoul Ruiz, que na cena em que é dita, e como é dita, se torna imensamente bela. Razão da conquista de uma mulher de um conhecido por um outro homem - ou demónio.
Estava D. Violante,
muitas risas poucas penas.
Ontem encontrou o marido,
hoje casada e donzela.
Depois das bênçãos na igreja,
despedidas que lhe dera.
Meu marido, meu marido,
não me deixes assim donzela.
Não chores D. Violante,
porque parto para a guerra,
ao outro lado do mar,
ao outro lado da terra.
"Estava D. Violante, muitas risas poucas penas. Ontem encontrou o marido, hoje casada e donzela." Rogério Samora e Mafalda Vilhena, Palácio dos Condes de Castro Guimarães / Palácio O'neill |
D. Henrique meu esposo,
não partas para a guerra não,
que as guerras são amores,
e os amores são guerras.
D. Violante minha esposa,
ficas casada e solteira,
saudades como amigas,
a virgem por companheira.
Passam meses, anos passam,
D. Henrique não voltara.
As saudades vão crescendo,
e vão minguando esperanças.
Os anos vão passando,
D. Henrique não voltara.
E em véspera da Páscoa
o mensageiro chegara:
Já morreu o teu marido,
que a morte o apanhara.
Pouco lhe valeu a coragem,
menos prudência contara.
E antes de morrer suplica,
que te veja, que te olhara,
que te tome por esposa,
por ser donzela casada.
Raoul Ruiz, mais do que as simples imagens em movimento de Sintra, deixou-nos em Combat d'Amour en Songe, a oportunidade de nos deixarmos ir guiados pela fantasia da nossa mente, naquilo que nos remete para o mais infante e inocente que temos, e que a mãe Serra trata de nos avivar.
De Raoul Ruiz, abaixo ficam outros trabalhos seus tendo como pano de fundo Sintra. O último, As Linhas de Torres Vedras ou Lines of Wellington, durante a filmagem do qual Raoul Ruiz nos deixou.
© O Caminheiro de Sintra
Colecção Sintra, Imagem em Movimento:
::: Sintra em "A Canção de Lisboa", em 1933
::: Sintra no Cinema I
::: Sintra no Cinema II
::: Sintra no Cinema III
::: Sintra no Cinema, em Controvérsia: Dois Filmes de Jesus Franco
::: Sintra nos Anos 40 do Século XX - "Ameaça!"
::: Sintra nos Anos 50 do Século XX
::: Sintra em 1954
::: O Mistério da Estrada de Sintra - Sintra no Cinema
::: The Ninth Gate - A Nona Porta - Sintra no Cinema
::: Reportagem Cinegráfica de A.C. de Macedo - Sintra em 1926
::: "Em Cintra" - ano de 1926 por Artur Costa de Macedo
::: Drácula em Sintra (Jess Franco)
::: Combat d'Amour en Songe - Raoul Ruiz e Sintra (Quinta da Regaleira)
::: Filmografia de Sintra: de 1897 a 1960
::: Filmografia de Sintra: de 1961 a 2012