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6. Sintra nas Memórias de Charles Merveilleux, Séc. XVIII 7. Contos de Sintra 8. Maçonaria em Sintra 9. Palácio da Pena 10. Subterrâneos de Sintra 11. Sintra, Imagem em Movimento


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Sintra e a Invenção da Cruz: 457 anos sobre a fundação do Convento dos Capuchos, 562 anos sobre o nascimento do Príncipe Perfeito



    Este é um dia especial para Sintra, e especialíssimo para alguns espaços específicos de Serra e Vila.

    E porquê Invenção da Cruz? Porque hoje é dia 3 de Maio, e em Portugal, durante a maior parte do correr do tempo no reino, a Invenção da Cruz foi celebrada a 3 de Maio. Existiram outros dias do ano para o celebrar (cá, tendo também sido a 14 de Setembro) mas para o que hoje interessa e tenho para – de especial – lhe contar, foi no 3 de Maio. A origem do termo – Invenção da Cruz – poderá conhecê-la no artigo que publiquei no ano de 2016, também a 3 de Maio (disponível aqui).

O Convento dos Capuchos da Serra de Sintra, por William Burnett,
década de 1830 (transformação e tratamento de imagem por parte do autor
a partir de original da Biblioteca Nacional de Portugal)

    Temos um Rei, por exemplo, que em termos de impacto pela vivência, pela sua vivência aqui em momentos críticos, pode dizer-se que tem uma ligação especial com Sintra. Não nasceu aqui, mas nasceu num dia da Invenção da Cruz, num 3 de Maio dos anos de 1400. O povo, de saia e barrete, e os eruditos de chapeirão e sapato em ponta, sempre tentaram inventar lendas que o ligassem a Sintra, mas curiosamente essas lendas parece que ganharam vida e no seu recontar colocaram outras personagens da história na vez do nome de D. João II, ou o inverso.

Iluminura do Livro dos Copos, mandado elaborar por D. João II,
podendo ler-se neste fragmento
Saibam todos que na era de mil quatrocentos e trinta e dois anos...
(transformação e tratamento de imagem por parte do autor
a partir de original da Torre do Tombo)


    Mas isso também não é para hoje e poderá muito bem ser para breve. Mas mais do que nas lendas por humanas mentes produzidas, nós temos a realidade lendária que foi vivida, e lendária por tão intensa ter sido em seu viver e sentir. Sabemo-lo mesmo que não saibamos exactamente do que se fale: a morte, o ódio, o amor, o perigo, tudo é lendário quando a extremos levado. O início do reinado de D. João II passa por um tropeção quando é coroado em Santarém, mas o pai, D. Afonso V decide voltar e o novo Rei passa a velho Príncipe.


Iluminura do Livro dos Copos, mandado elaborar por D. João II,
podendo ler-se neste fragmento
O nome Deos Seja Sempre Louvado

(transformação e tratamento de imagem por parte do autor
a partir de original da Torre do Tombo)

    Da segunda e definitiva vez que D. João, Príncipe de Portugal, é coroado Rei, inicia de imediato uma série de medidas que passam por adagas, e cepo e sator (carrasco). Tudo, em nome da justiça e do povo. Aliás, a alma da divisa que a Guarda Nacional Republicana (G.N.R.) utiliza é a mesma que o Rei teve para si: Pela Lei e Pela Grei. Essa reviravolta na forma como a justiça é aplicada, acaba por estar relacionada com Sintra, pois foi em Sintra, no Paço Real (vulgo, Palácio da Vila), numa parte específica que mesmo nos dias de hoje feia sendo, é para mim das mais belas, pela coroação do Príncipe Perfeito nesse lugar. Sim, o ser humano que nasceu no dia da Invenção da Cruz do ano de 1455 e que ficou marcadamente conhecido na nossa história, foi coroado Rei em Sintra. O Rei que se preocupava com o que os filhos dos pais diziam, como no caso de João Álvares, conhecido como o Gato. De pobre ascendência conseguiu destacar-se no paço; mas certa vez seu pai passou por si, fez-lhe a devida vénia, e Gato desprezou-o; D. João II ao tomar conhecimento da situação disse para o Gato não lhe voltar a aparecer, pois o homem que desprezava seu pay e lhe nam fazia bem, podendoo fazer, nam era pera se fiarem delle. Entre milhares de coisas mundanas – mas intensas para quem as vivia como cada um de nós hoje vive sua vida – foi também o Rei que fez cumprir justiça quando os camponeses se queixaram do roubo impune que os homens dos grandes senhores faziam nas suas amoreiras: roubando-lhes os bichos-da-seda, e assim quebrando o negócio da extracção do fio que fazia a nobreza sentir o suave deslizar do tecido em seu corpo. E, voltando a Sintra, o Rei que se relaciona também com o cume onde hoje em dia se situa o Palácio da Pena, mesmo antes de ser o Mosteiro de Nossa Senhora da Pena que ali antes ocupava aquele cume da Serra.

O altar da Igreja (gruta) do Convento dos
Capuchos da Serra de Sintra


    Mas agora, pela Invenção da Cruz, há também que falar de uma edificação religiosa. Ou melhor talvez seja a ela aludir como construção religiosa. Saindo da coroação de D. João II e das cerimónias fúnebres com essa relacionada – iniciadas de noite com centenas de homens carregando archotes pelos caminhos de Sintra saindo –, temos necessariamente de entrar num dos lugares mais especiais da Serra, e que séculos atrás era conhecido também como "Convento da Santa Cruz." Refiro-me ao Convento dos Capuchos da Serra de Sintra, e a mais um feliz aniversário da sua fundação. "Feliz", pois todos nós podemos senti-lo, é quase como uma dádiva divina para na terra sentirmos através da estranheza da sua configuração (a felicidade da curiosidade e vida com que nos preenche, mesmo que a morte ou a mortificação tenha estado sempre bem presente nos corações daqueles que ali viveram). Celebram-se hoje 457 anos desde a sua fundação no dia da Invenção da Cruz, 3 de Maio, do ano de 1560. Já dele várias vezes aqui falei, e mesmo de forma um pouco mais extensa no ano passado, quando igualmente relembrei o seu aniversário. Mas falar no Convento dos Capuchos da Serra de Sintra significa não poder deixar de falar em D. João de Castro, um dos grandes heróis, valido da honra e da curiosidade que faz com que o mundo se desenvolva, da história de Portugal. E só doze anos depois da vida ter abandonado o seu corpo é que viu, através de seu filho, o desejo de ver levantado o austero Convento no meio da Serra de Sintra. Para além do encanto que o interior do Convento transmite a quem o visite e a quem do conhecimento da religião se encontre distante, conhecer os hábitos, os seres humanos – e seus nomes – que ali viveram, e alguns dos quais ali, ao longo daqueles espaços, no interior daquele monte de rochas, também foram sepultados. O Convento dos Capuchos mantém de forma rígida, um outro tempo, um outro ambiente, para que nós ainda nos dias de hoje consigamos senti-los levemente, já num ritmo de vida completamente diferente, já num sentir completamente diferente.

O Pórtico das Fragas, de entrada para o Convento
a aguardar por si, 457 anos depois

    Hoje é um dia especial para Sintra. Celebram-se dois aniversários muito importantes. Não posso deixar de lembrar que os espaços com esses aniversários relacionados estão ao seu alcance, para que a história possa sentir.