Pedro, Senhor da Casa do Infantado que logo após ter sido criada recebeu – por ora, então – a Quinta de Queluz, encontra-se hoje pelo chão esquecido.
Um chão gasto, visto e comentado, milhares de vezes por semana.
Pedro era o último de vários irmãos, sendo o mais velho e promissor, Teodósio, que Teodósio I em poucos anos se esperaria tornar.
Mas Teodósio adoeceu e morreu. E na linha da família, era Afonso que se seguiria.
Afonso era louro e de pele clara; Pedro, de cabelo preto e tez agitanada. Um débil, o outro alto e robusto. Ambos, no século XVII se davam às lutas com marginais e homens do povo, de gravata feita com braço pelos pescoços, de armas afiadas jogos de bandos na entrada do Paço se dando. Alguns ainda hoje dizem que serviam essas lutas e jogos, para saber notícias sobre o que em Lisboa se passava no seu mundo mais inferior, quando os marginais largavam mais palavras por derrota ou por empatia.
As duas adolescências foram passando, e Pedro, alto, de peruca negra debaixo de um refinado escuro chapéu emplumado de larga aba, longas meias pretas e esvoaçantes capas de brilhante seda preta, se destacava entre a corte. E quando o seu irmão, loiro, débil, foi coroado Rei de Portugal, Pedro, além de senhor da Casa do Infantado, além de possuir o Ducado de Beja, ganhou uma imponência ainda maior ao tornar-se Príncipe.
Aqui a história comprime-se naquilo que algumas vezes conto de viva voz às pessoas, com os pequenos detalhes que tornam mais humanos estes nomes: o irmão de Pedro, o Rei, casou-se, a Rainha arrependeu-se, o povo foi-se arrepiando com as tomadas de decisões no Reino – às vezes, nas audições, o próprio Rei, por irritação a com quem falava começava às punhaladas –, tudo isso fazendo com que surgisse a conjura dos insatisfeitos com o Rei. Quiseram elevar Pedro, a Rei. A história é de várias maneiras contada, mas sabe-se que o Rei Afonso foi para a Ilha Terceira, como prisioneiro.
Moeda de cinco réis do reinado de D. Pedro II (colecção pessoal do autor) |
Pedro, assumindo a regência, por respeito nunca quis ser coroado nem ocupar – literal e espacialmente – os lugares que deveriam ser ocupados pelo Rei nas cerimónias. Curiosamente, a Rainha deixou o Rei e passou a Princesa, pois casou-se com Pedro.
Em 1674, Pedro, de quem se dizia ser tão forte que era capaz de só com suas mãos dominar por completo um touro na luta com um, vê-se obrigado – por uma série de razões políticas que para este dia não interessam –, a ordenar que fossem buscar o irmão, o Rei prisioneiro, à Ilha Terceira, onde se encontrava já há cinco anos. Mandou que o fossem buscar e que o levassem para um dos quartos mais altos do Palácio da Vila de Sintra. Nesse mesmo quarto, o irmão, o Rei, ali ficou ao longo de nove anos.
Mas Pedro, enquanto ser humano, deu-nos muito mais do que essa memória da história que a maior parte leva de forma jocosa. No estudar de sua vida começamos a perceber a dignidade que teve ao só se deixar coroar após o falecimento do irmão, do Rei D. Afonso VI. Para além da dignidade e da difícil gestão familiar e real, teve de lidar com a imagem do Reino para o exterior, em especial com o Rei Sol, Luís XIV de França. Para Sintra, temos de seu tempo o início da utilização – e adquirir – da Quinta de Queluz, que derivaria naquilo que conhecemos hoje como Palácio de Queluz. Temos também em Sintra e de seu tempo, o retábulo da Capela da Peninha, zona hoje “mais virgem” da Serra de Sintra, assim como possivelmente a ajuda para a construção da própria Capela. E temos ainda um frade do Convento dos Capuchos da Serra de Sintra que em desespero por ajudar um clérigo cujo prior da Igreja de Santa Maria impedia de ser ajudado, foi fazer uma espera a Alcântara, conseguindo apanhar Pedro; o Rei Pedro escreveu carta régia ao dito prior da Igreja de Santa Maria, levantando o impedimento, e o Frade garantiu que o clérigo passaria a encomendar Pedro a Deus todos os dias, visto que isso mesmo já o Frade há muito o fazia em suas preces diárias.
Gravura representando o Rei D. Pedro II elaborada por Pieter Schenck. (transformação e tratamento de imagem do autor a partir de original guardado pelo Stadtmuseum Düsseldorf) |
O Rei D. Pedro II, através do normal decorrer da vida, tão cheia de asperezas, escolhos e difíceis caminhos, acabou por – em tristeza maior – deixar uma importantíssima marca da monarquia no Palácio da Vila, através do aprisionamento de seu irmão.
Mas como pudemos ver, Pedro não se fica pelo chão gasto esquecido. E menos ainda no dia de hoje, 26 de Abril, dia do seu aniversário, 369 anos depois de seu nascimento. Ficam os seus conselhos e reconhecimentos de seus erros de juventude, que ajudaram também a que através de seu filho surgisse a grande construção de Mafra, assim como dos momentos mais faustosos em celebrações que pudemos na história de Portugal encontrar, e que nessa primeira metade dos anos de 1700 se deram.