colecções disponíveis:
1. Lendas de Sintra 2. Sintra Magia e Misticismo 3. História de Sintra 4. O Mistério da Boca do Inferno 5. Escritores e Sintra
6. Sintra nas Memórias de Charles Merveilleux, Séc. XVIII 7. Contos de Sintra 8. Maçonaria em Sintra 9. Palácio da Pena 10. Subterrâneos de Sintra 11. Sintra, Imagem em Movimento


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O Amor e a História


o rebrilhar do coração nos caminhos de Sintra


    Nunca me esqueci. Após quase um ano em que o coração se contraía e expandia de forma acelerada de cada vez que o meu olhar se cruzava com o dela, tivemos então o toque um do outro, tivemos então um momento que para mim se tornou nuclear por para sempre me ter moldado.

    Tudo se deu no final desse ano, quando os nossos caminhos se juntaram naturalmente e nos fizeram subir a escadaria lado a lado. A minha mão procurou a dela ao mesmo tempo que a dela procurou a minha. Assim subimos aqueles degraus de mão dada. No fim, entreolhámo-nos e seguimos cada um novamente o seu caminho. Nunca mais a voltei a ver. Tínhamos cerca de onze anos e o consumar de um ano inteiro de uma jovem e ingénua paixão exacerbada pelo olhar, fez com que o tomasse para sempre como a coisa mais inocente e bela que vivi. 

    Pela impossibilidade? Talvez. Certo é que eram aqueles, tempos em que a inocência era mantida e ainda não tivera até então sido substituída pelos prazeres momentâneos, os quais assim que connosco vão chocando ao longo da vida, nos fazem pensar – erradamente – que nos conseguem preencher, substituir o vazio que por qualquer outra coisa – que não a verdade e a fragilidade da inocência do mais puro sentir – não consegue ser substituído.

    O que acabei de escrever é uma memória da minha vida, a qual se prolongou até à idade que presentemente tenho e certamente se prolongará até ao fim, pelo belo de uma pureza que se foi perdendo, pela beleza do puro que até ao fim da vida inevitavelmente se vai perdendo.

    No fundo, faz parte da minha história. E tal como para mim estas partes da minha história são de fulcral importância para compreender quem sou, também a História necessita de ser olhada com os olhos que vasculhem o mais íntimo e marcante dos seres humanos que se encontram por detrás dos nomes naquela gravados. Só assim se conseguirá compreender ainda melhor a História e, até mais do que isso, conseguir com que através do sentir de quem se encontra distante da própria cultura, possa sentir o chamar do passado, num canto que tendo muito de amargo, se torna doce de ouvir e sentir.

    Uma vez, numa visita, ouvi alguém comentar com duas senhoras que de um passeio com a temática de amor na História lhe falavam (O Reino dos Amores de Sintra) que não acreditava nessas coisas e nem sequer suportava a história de “Pedro e Inês” (confesso não saber porque motivo referiu esse assunto). Certamente que não será o único e é certo que na parte da história que mencionou existem inúmeras incertezas, mas pelo menos tem a base que Romeu e Julieta não tem, que é precisamente a realidade. Não acredito que a pessoa em causa não se interessasse ou não acreditasse nestas “coisas”. Terá sido o alabastro do Retábulo da Pena percorrido por um cinzel que marcando-o, a mão que o guiava nada nunca sentiu, como coração que o permitiu fazer fosse um coração de vida vazio? E não sentimos já nós o sal do saudoso mar que por vezes o coração espreme através das gotas que a face percorrem num aprisionador ardor? Quantos sonhos não ajudou essa aprisionadora dor a que no renascer surgissem?


O Beijo - Francesco Hayez, ano de 1859


    Tal como por vezes os nossos sonhos se concretizam – e passam a fazer parte da realidade por nós vivida – há partes da História que se concretizaram de forma tão bem delineada como o vibrar do amor que era sentido pelos seus intervenientes. Um desses casos é o de D. Pedro V e D. Estefânia. Apesar de aquilo que mais é transmitido sobre D. Pedro V ser o facto de ter tido um reinado curto, o amor entre ambos levou a que hoje tivéssemos uma parte de Sintra com o nome Estefânia. Mas também isto é apenas um facto e o que aqui interessa são os contornos do dia 14. E sim, mais uma vez o 14 de Fevereiro, porque já que não se exalta o amor todos os dias, que esse seja exaltado em datas que se possam considerar especiais pelos sentires.

    A base desse – de há poucos séculos para cá – é uma invocação, tal como as igrejas, capelas, ermidas têm a sua, as quais nos fazem perceber que tradições e hábitos eram mantidos nas localidades onde essas existem precisamente pela sua evocação. Compreender os dias de hoje com base nesses poucos séculos (em anos anteriores já escrevi sobre a origem num passado mais distante) será como há menos de um mês atrás termos percebido que com o corpo docemente perfurado por flechas, São Sebastião nos permite conhecer o que durante séculos foi feito na Vila de Sintra até uma das entradas dessa.

    E mesmo o exaltar da data não representa a eternidade. Antes, isso sim, a ausência de linearidade da vida, em que sonhamos consoante aquilo que não temos. E aquilo de que estamos sedentos. Embora acredite que no amor a sede constante pode marcar a perene eternidade a que sujeitos estamos – não a desejada, a que vem dentro de nós, mas aquela que nos gerou.

como um coração que incendeia as nuvens no céu
imagem: https://www.instagram.com/caminheiro.de.sintra/


    O amor e a paixão, os sentires e as emoções, estão na História por valorizar, sem prejuízo de fazer cair opiniões para lados que devem com a neutralidade ser evitados. Mas tal como o intenso desejo físico por alguém que se ame, também assim na forma como a história é transmitida existe essa carência quase física – ou mesmo física, por nos fazer sentir coisas com a nossa mente, com o nosso corpo.

    A História felizmente pode proporcioná-lo. A História de Sintra se calhar até com mais facilidade devido ao encanto que tem e que nos faz sonhar acordados em cada momento da nossa vida, em cada recanto iluminado que capaz é de incendiar ainda mais o nosso coração.

    Depois existem os ultra-sonhadores, marginais do normal sentir. Não encontra nesses a sensibilidade assim, concorrência no desequilibrado sentir do amor, na exagerada falésia onde a dor caindo, nunca fatalmente acaba, nunca fatalmente se despenha, ficando sempre mais por consumir, ficando mais por sonhar. E mesmo assim sendo e assim continuando a ser, nesses as lágrimas parecem por vezes parte de um corpo cuja alma que sente a dor que é anunciada, já daquele não faz parte.




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