O Filósofo e o Parvo: não só na obra de Gil Vicente, mas também na vida. |
Gil Vicente e Sintra é uma associação de dois ícones portugueses que é comummente feita. E aquilo de que se não foge de encontrar mencionado é o termo Paraíso Terreal, como se pode observar à direita num prospecto turístico de meados do século XX.
O habitual termo Paraíso Terreal aparecendo sempre na evocação de Sintra e Gil Vicente. Mas que mais de Sintra podemos em Gil Vicente encontrar? |
Ao longo de cinco artigos (cinco partes de Gil Vicente e Sintra) escritos para o Jornal de Sintra, analisei algumas das formas como o Mestre aludiu a Sintra, como essas podem ser interpretadas à luz da época, e como as suas palavras podem reflectir o sentimento que esse ser humano do século XVI - que gravou o seu nome na nossa História ao longo de 500 anos - tinha para com a Serra de Sintra.
500 anos depois, ainda aqui se mantêm os descendentes da fauna que também captou a fantasia de Mestre Gil.
500 anos depois, ainda que sem a mesma variedade de fauna, somos encantados pela voz da natureza e de passados os quais sentimos que com o nosso presente nos podem reconciliar.
500 anos depois, podemos sentir Sintra em toda a obra de Mestre Gil, devendo nós hoje perceber que também naqueles tempos existia quem preferisse o sossego da Serra à agitação das festas no Paço Real, quem preferisse estar com verdadeiros lobos ao invés de estar com aqueles que frequentando as ditas festas, vestiam humana pele.
1.ª Parte de Gil Vicente e Sintra
Terra de Cardos e Pedras
Terra de Cardos e Pedras na edição de 28 de Setembro de 2018 do Jornal de Sintra |
«...Mas Mestre Gil era muito mais do que alguém com grandes capacidades para executar algumas poucas funções. Gil Vicente era ele próprio um gerador de fantasia. No ano de 1520 esperava-se a entrada em Lisboa do Rei D. Manuel e da Rainha. O Mestre era reconhecido pela sua fantasia a ponto tal que o Rei deu indicações para que se seguissem todas as sugestões do Mestre. Quando se viu chegado o dia da entrada do Rei e da Rainha, havia inclusivamente no Tejo uma caravela mal aparelhada e de velas esfarrapadas e pintadas de más pinturas de que saíam grandes fumaças e fogos artificiais (...) e muitos trovões; e a caravela sem governar ora através ora a popa (...) e os diabos fazendo coisas de muito prazer com que houve a maior festa do recebimento... No dia seguinte, o Rei e a Rainha tinham muitas plataformas ou palcos por entre os quais haviam de passar. Num deles era visível um homem deitado, adormecido, do peito do qual saía uma grande árvore dourada (a Árvore de Jessé, brotando do peito de Adão) tendo essa árvore representações de todos os reis e de todos os profetas, acima desses estando Deus com os seus anjos, estes últimos tocando seus instrumentos musicais. Ao lado desse palco, um outro muito coberto de ramos e arvoredo, com muitas fontes de água, que representava a Ilha da Madeira; e no meio uns ricos aposentos em que viviam quatro fadas e em uma rica câmara estava um berço dourado que embalavam quatro sereias cantando suavemente; e as fadas falaram em lugar da Ilha, oferecendo-se para criarem o filho ou filha primeiro que [a Rainha] parisse, e [que] seria por elas fadado (...)» (CONTINUAR A LER)
2.ª Parte de Gil Vicente e Sintra
O Cavaleiro Portugal e a Serra de Sintra
O Cavaleiro Portugal e a Serra de Sintra na edição de 09 de Novembro de 2018 do Jornal de Sintra |
«...E é assim que começa a Farsa da Lusitânia, dizendo-nos que uma ninfa, há três mil anos atrás, tinha por morada uns rochedos ao pé da Serra de Sintra, serra que então se chamava Solércia (“Solércia” queria dizer tanto agudeza de espírito e esperteza, como algo capaz de desencantar mil ardis ou de muita manha ter). O Sol, que passava sempre na distância e via aquela ninfa de nome Lisibea entre as rochas próximas da Serra de Sintra, e a visse nua sem nenhuma cobertura, tão perfeita em suas corporais proporções, como formosa em todolos lugares de sua gentileza, fez, através do amor entre ambos, que Lisibea desse à luz uma filha de nome Lusitânia. (...)» (CONTINUAR A LER)
3.ª Parte de Gil Vicente e Sintra
Coração de Amante e a Entrada no Inverno
Coração de Amante e a Entrada no Inverno na edição de 07 de Dezembro de 2018 do Jornal de Sintra |
«...Mas antes de lá se chegar, há que percorrer o caminho que Mestre Gil muitas vezes terá feito e onde muito observaria. Nesse caminho, da Cidade de Lisboa à Serra de Sintra, Gil Vicente via – já naquilo que é hoje considerado como Sintra – traços dos tempos modernos, dias em que a alegria e a tradição, naquele ano de 1529, já há muito se tinham perdido. Batia a saudade dos tempos passados – tal como a nós hoje, dos nossos passados tempos de vida. É aqui sim, que Mestre Gil fala do que Portugal até há pouco (início do século XVI) fora, e da alegria que era então sentida também no concelho de Sintra; assim que entra em palco, assim que começa o Triunfo do Inverno, o Mestre encontra-se só, perante a audiência, e diz: Em Portugal vi eu já / em cada casa um pandeiro, / e gaita em cada palheiro; / e de / vinte anos a cá / não há aí gaita nem gaiteiro. / A cada porta um terreiro, / cada aldeia dez folias, / cada casa atabaqueiro: / e agora Jeremias / é nosso tamborileiro. / Só em Barcarena havia / tambor em cada moinho, / e no mais triste ratinho / s’enxergava uma alegria / que agora não tem caminho. (...)» (CONTINUAR A LER)
4.ª Parte de Gil Vicente e Sintra
The Green Man, Sintra e o Mestre Gil
The Green Man, Sintra e o Mestre Gil na edição de 11 de Janeiro de 2019 do Jornal de Sintra |
«...Como tais preocupações apresentavam apenas o brilho que ofusca os escuros recantos onde de forma recôndita a falta de dignidade tem por hábito andar, o Ferreiro e a Forneira decidem ser hora de partir. E é na sequência da sua partida que surge o mais conhecido excerto de Mestre Gil Vicente relativo à Serra de Sintra, e dito pela boca da própria Serra de Sintra: Um filho de um Rei passado / dos gentios Portugueses / tenho eu muito guardado, / há mais de mil anos e três meses / por um mágico encantado. / E este tem um jardim / do paraíso terreal, / que Salomão mandou aqui / a um Rei de Portugal; / e tem-no seu filho ali. / Este será o presente, / e eu irei por ele asinha, / porque é para a Rainha / justo e conveniente. / O qual Príncipe virá / em pessoa aqui com ele, / que sabe as virtudes dele, / e como e quem o trouxe cá, / e quanto se monta nele. / E virá acompanhado / dessas cachopas Sintrans, / e de mancebos do gado, / Louçãos e elas louçãs, / com seu cantar costumado.
O Verão diz então que o jardim apresentado – para que mais fastio não cause pois ainda nem acabado está – conclui o seu triunfo, aquilo que na realidade foi o triunfo do Verão.
E chegamos agora ao desvelar de como foi ludibriado quem até aqui chegou. Entram quatro mancebos e quatro moças, todos muito bem ataviados em folia, dizendo esta cantiga: Quem diz que não é este / San João o Verde? Exactamente, São João, o Verde. Aos olhos de hoje não conseguimos compreender muitas das coisas do passado, ou tomamo-las como erradas. Mas se com os devidos e necessários filtros para se olhar para esse mesmo passado, somos capazes de entrar de forma mais profunda nas vidas que os nossos antepassados viveram. Na 3.ª parte destes artigos mencionei que a Rainha dera à luz em Abril de 1529. Em Abril, como é óbvio, não é Verão. E é o próprio Verão, na peça, a dizer que foi no seu tempo que a Rainha foi alumbrada, iluminada, que deu à luz. Além do mais, com o enfraquecimento do Inverno (após os dois triunfos desse), quem apareceu de imediato, trazendo os cânticos da natureza consigo, foi o Verão. E se – por exemplo – olharmos para outra peça do Mestre, aquela que tem o nome de Auto dos Quatro Tempos, vemos que esses “tempos”, as estações do ano, estão divididas entre Verão, Estio e Outono e Inverno. A forma como foi ludibriado foi ao ter interpretado este Verão de quem tenho falado ao longo de todo o artigo, como o nosso Verão; na realidade trata-se daquilo que interpretamos hoje como Primavera, e que então era tida com o termo Verão. No fundo, este Verão de que falei ao longo de todo o artigo representa o renascimento no ciclo da natureza, a sua renovação. (...)» (CONTINUAR A LER)
5.ª Parte de Gil Vicente e Sintra
O Fim de Mestre Gil e Suas Sintras
O Fim de Mestre Gil e suas Sintras na edição de 08 de Fevereiro de 2019 do Jornal de Sintra |
«...Estávamos então em 1529. Em 1502 tinha sido a primeira representação de uma obra do Mestre, actuando ele próprio praticamente só perante a Rainha, o Rei, e o então recém-nascido Príncipe. Em 1529 esse recém-nascido já se tinha tornado no Rei D. João III. E o que daqui, de 1529 para a frente surgiu, foi um lento apagar do Mestre, até o seu nome ter silenciosamente desaparecido. O Auto da Lusitânia (do qual falei na 2.ª parte desta sequência de artigos) foi concebido para celebrar o nascimento do Príncipe D. Manuel (a quem foi também posteriormente dedicado o retábulo da Pena (o retábulo ainda poderá ser visto nos dias de hoje no Palácio da Pena)). Contudo existiu uma outra obra de Gil Vicente que foi utilizada nas festas de celebração do nascimento do Príncipe D. Manuel, mas não cá em Portugal e sim em Bruxelas, na embaixada de Portugal em Bruxelas, no final do ano de 1531. À partida não terá sido a primeira vez que foi apresentada, e tinha o título de Jubileu d’Amores. Entre a assistência em Bruxelas encontrava-se um cardeal italiano, de nome Girolamo Aleandro. Depois da apresentação da obra o cardeal enviou uma carta ao secretário do Papa, queixando-se da peça. Entre os múltiplos traços heréticos, referia que (...)» (CONTINUAR A LER)
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