colecções disponíveis:
1. Lendas de Sintra 2. Sintra Magia e Misticismo 3. História de Sintra 4. O Mistério da Boca do Inferno 5. Escritores e Sintra
6. Sintra nas Memórias de Charles Merveilleux, Séc. XVIII 7. Contos de Sintra 8. Maçonaria em Sintra 9. Palácio da Pena 10. Subterrâneos de Sintra 11. Sintra, Imagem em Movimento


quinta-feira, 15 de março de 2018

A Imperatriz Leonor de Portugal e Frederico III




    “Callate e aquy o nom digas a nynguem” – foi o que, em Alfarrobeira, no ano de 1449, o Conde de Avranches disse a um criado o qual chorando, o informava que no seu lado do campo de batalha o Infante D. Pedro das Sete Partidas tinha caído morto. O Conde de Avranches, Álvaro Vaz de Almada, pretendia assim que os homens do Infante D. Pedro, os homens daquela que era vista como a facção rebelde, continuassem a lutar sem saberem que aquele que trajando uma cota de malha com uma cobertura de veludo carmesim e um capuz na cabeça, tinha caído com o coração atravessado por uma flecha.

    O Conde de Avranches cairia algum tempo depois, segundo uns gritando ora fartar rapazes, segundo outros ora vingar vilanagem – certo é que a junção das duas suposições chegou-nos  até hoje com a tão conhecida expressão é fartar vilanagem

    Do outro lado do campo de batalha, fazendo frente à facção tida como rebelde, encontrava-se o sobrinho do caído Infante D. Pedro, que naquele ano contava já 17 Invernos. O seu sobrinho tinha, na sua cabeça e desde o seu 14.º aniversário de vida, a sombra da coroa portuguesa: tratava-se do Rei D. Afonso V.

Afonso von Gottes gnaden kung zu portergall umd zalgarbe herr
zue Sept und allgogiro
(“Afonso pela Graça de Deus
Rei de Portugal e Algarve, senhor de Ceuta e Alcácer”):
desenho representando o Rei D. Afonso V – primeiro Príncipe
de Portugal de título –, presente no diário de Jörg von Ehingen
(anos de 1400) pertença da Württembergische Landesbibliothek
(Estugarda, Alemanha).

    Este foi um dos episódios mais marcantes do Rei Afonso, o quinto de nome e título, e que se relaciona com o que neste mês aqui escrevo.

    Quando o Rei D. Afonso V somou mais um Inverno, quando fez 18 anos, recebeu cartas do Rei dos Romanos, o qual mostrava interesse em casar com uma de suas irmãs, a qual tinha – aquando da abertura das cartas – 15 anos de idade.

    Há que dizê-lo: este casamento tinha sido de antemão proposto perante um terceiro elemento: o Rei de Nápoles e Aragão. Este matrimónio serviria agora também de paliativo: o Papa recebera uma queixa da tia de Afonso V, reclamando que o seu irmão, o caído Infante D. Pedro, tinha ficado durante três dias com o seu corpo sem vida sobre a terra do campo da batalha de Alfarrobeira, à mercê das bicadas das aves de rapina. Para além disso, apesar de ter recebido a extrema unção por parte de D. Luís Coutinho, tinha o corpo ao fim desses três dias sido levado para lugar desconhecido.

Fragmento de quadro da Imperatriz Leonor (de Portugal),
pintado em 1468 por Hans Burgkmair.
Actualmente no Kunsthistorisches Museum (Viena, Áustria).

    No ano de 1451, dois religiosos tidos na sua aparência como vulgares, são roubados e deteudos no Caminho de Santiago. É por mero acaso que o Bispo de Coimbra topa com o seu destroço, e os ajuda a chegar a Lisboa. Estes dois religiosos – como disse, vulgares no seu aspecto – eram afinal os embaixadores do Rei dos Romanos, que vinham selar o casamento desse com a jovem irmã do Rei de Portugal, D. Afonso V.

    Já em Lisboa, são recebidos de forma muito afectuosa pelo Rei de Portugal e tratados quase como príncipes. O casamento é selado, e para que aquele dia fique na mente de todos em memória marcado, o Rei decide dar perdões judiciais a casos de difícil resolução, assim como o perdão das dívidas de muitos. Seguem-se as festas, inclusivamente com justas na Rua Nova em que até o irmão do Rei, o Infante D. Fernando, chega com os seus aventureiros, vestidos com guedelhas de seda fina como selvagens, em cima de bons cavalos vestidos e cobertos de figuras e cores de alimárias conhecidas...

Miniatura representando Frederico III,
com as armas de Portugal em
baixo, tendo por cima dessas a inscrição
Leonora imperatryx.
Presente em manuscrito
da Österreichische Nationalbibliotek.
    Em Outubro desse mesmo ano de 1451, o Rei sai da Sé de Lisboa e acompanha a pé a irmã até ao Cais da Ribeira, onde uma ponte de tonéis fazia, sobre a água, o seu caminho para a embarcação que aguardava levá-la do Reino de Portugal para sempre.

    A viagem ainda a levou ao Norte de África, antes de cruzar o Mediterrâneo. A irmã do Rei D. Afonso V não conhecia o Rei dos Romanos. Estava a caminho da região de Itália para o conhecer, para se casarem presencialmente, para serem ambos investidos Imperadores.

    No último dia de Fevereiro de 1452, em pleno Inverno, D. Lopo de Almeida – que acompanhava a futura Imperatriz – escrevia ao seu Rei, D. Afonso V:

...o dia, que a Senhora Vossa Irmã chegou à Cidade de Siena, saíram os da Cidade a recebê-la...
...e depois veio o Duque Alberto, Irmão do Imperador, com muita gente...
...e ao cabo de pouco veio El Rey da Hungria, e a cavalo lhe deu a dita Senhora a mão...
...chegámos junto com as portas da Cidade, e na entrada do arrabalde estavam a maior parte dos cidadãos a pé, vestidos de carmesim e escarlatas forradas de martas mui negras...

...por esta Cidade pintaram as armas do Imperador com as vossas: a porta, donde pousa vossa Irmã, estão [elas] pintadas...


A coluna de mármore que foi levantada em Siena
e que tinha no topo as armas de Portugal. De fresco presente na Biblioteca
Piccolomini, da Catedral de Siena,
realizado por Pinturicchio no início dos anos de 1500.

    A 16 de Março seria celebrado o casamento em Roma. Três dias depois, a 19 de Março, na mesma cidade de Roma, Frederico III [ex Rei dos Romanos] e Leonor de Portugal seriam investidos Imperadores do Sacro Império Romano-Germânico.

D. Leonor de Portugal, Imperatriz do
Sacro Império Romano-Germânico,
tendo à frente as duas filhas: Helena e Kunigunde.
Iluminura de manuscrito do século XV,
da Bayerische Staatsbibliothek.

    E de que forma se relaciona tudo isto com Sintra? Quem acompanhou D. Leonor, que na chegada a Siena, no encontro com Frederico III, tinha apenas 17 anos de idade? E que legaram esses seres humanos para a nossa história? Recontares que mostram ambientes diferentes daqueles que a limitada imaginação é capaz de recriar...

...este dia, acabadas as justas, foram cear, e acabada a ceia vieram todos por vossa Irmã, e levaram-na a casa do Imperador, e dançaram em sua sala quase uma hora, e veio colação [refeição] maior que a de Fernão Serveira, que com três patos dizia que se fartaria muito bem e lançar-se-ia na cama. O Imperador partiu-se da dança antes da colação e foi-se à sua câmara, e acabada a dita colação, levou El Rey a dita Senhora àquela mesma câmara com poucos, salvo mulheres, e acharam-no já lançado [e] vestido entre os lençóis; e tomaram vossa Irmã e lançaram-na na cama com ele também vestida, e cobriram-lhe as cabeças e beijaram-se, e feito isto...

    ...muito mais há para saber no próximo artigo do Jornal de Sintra.




ir para a página de Facebook O Caminheiro de Sintra