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Uma carruagem / ominus londrino do século XIX. |
Hoje usamos as expressões "apanhar boleia"
ou "ir à boleia", ou outras semelhantes envolvendo o termo
"boleia". O que vemos nesta gravura colorida de meio dos anos de 1800
são dois boleeiros na Baixa de Lisboa.
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Dois boleeiros na Baixa de Lisboa. |
Os boleeiros eram os condutores de carruagens puxadas
a cavalos (para o dizer de forma mais genérica). O banco onde se sentavam tinha
o nome "boleia", daí serem boleeiros.
Os boleeiros de omnibus, por exemplo, podiam por vezes
levar alguém consigo a seu lado que não tivesse dinheiro para pagar a viagem,
sentado na boleia. Não ia no interior da carruagem pois não tinha dinheiro, mas
não tendo dinheiro fazia à mesma a viagem. A pessoa ia assim à boleia - e mais
intensidade ganha este termo se imaginarmos isto a acontecer no Inverno, com o
calejamento e roupas dos boleeiros para o frio e vento no topo da carruagem, ao
contrário do indivíduo que ia "à boleia".
A título de curiosidade: os omnibus eram carruagens
que funcionavam como funcionam para nós hoje os autocarros. O próprio termo omnibus é um termo de Latim que significa
"para todos". O nosso BUS vem do uso inglês Bus ("autocarro"), que por
sua vez vem precisamente de omnibus, das antigas carruagens. No Brasil,
o ónibus - aqui com grafia de Portugal - também tem a sua
origem nas antigas carruagens. Mas indo ao que interessa: ao longo de várias
décadas dos anos de 1800, saíam os omnibus da Rua do Ouro (na Baixa) em
direcção a Sintra, várias vezes ao dia, todos os dias.
A viagem era demorada, podendo levar quatro a cinco
horas. O caminho Lisboa a Sintra não era tão directo como é hoje. Naqueles
tempos existiam enormes subidas e descidas, que mais enormes se tornavam para
as carruagens de então a rolarem sobre piso irregular (com o boleeiro muitas
vezes quase a saltar da boleia, mesmo a essa estando preso).
Em redor, a vegetação seca, a aridez, era em si um
desconsolo. Ao longo dos montes onde hoje em dia se vêem urbanizações (Monte
Abraão, Rinchoa, entre outras) viam-se, no correr dos topos das colinas, linhas
de moinhos como se fossem cavaleiros gigantes com seus braços e velas armadas
ao vento.
Antes, havia-se passado por um dos sítios mais belos
de Portugal, como muitos estrangeiros assim o reconheceram: a Porcalhota. Nos
nossos dias é algo inimaginável, mas a quantidade de relatos torna esse facto
indesmentível.
No Cacém existia paragem obrigatória. Muitas vezes
encontravam-se duos ou trios de músicos, compostos por indivíduos de roupas
muito pobres, a tocarem guitarra e violino, e com uma cantora a cantar à
desgarrada, improvisando versos mediante o que estava a ver em seu redor - quer
ambiente, quer criaturas em seus jeitos e acções.
Os boleeiros diziam que dali para a frente seria
impensável humano ou besta conseguir continuar viagem sem parar para
restabelecer energias. Aos cavalos davam uma malga de vinho tinto com pão nesse
mergulhado. É deste rejuvenescer dos cavalos em longas viagens que vem o famoso
termo "sopas de cavalo cansado".
Na verdade, muitas das vezes quando saíam do Cacém não
eram somente os cavalos que iam embriagados, mas também o boleeiro e os
passageiros.
Por vezes, no chegar a Sintra à noite, quando ia
alguém montado a cavalo à frente da carruagem de archote na mão, o fumo espesso
e as faúlhas misturavam-se com o nevoeiro que ia atingindo o rosto do boleeiro
no topo da carruagem, enquanto este a fazia subir e descer as inclinações de
São Pedro, para finalmente chegar então à Vila.
Outros tempos, mas tempos de andar à boleia na mesma.
E tempos em que ainda se acende um cigarro com outro, como o boleeiro o está a
fazer na gravuda colorida.
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